domingo, 1 de novembro de 2009

"Fuleiragem music" domina rádios comunitárias


Uns chamam de “forró estilizado”, outros rotulam essas bandas de “fuleiragem music”. As bandas, por sua vez, batizam-se de “forró romântico”. Não passa de um modismo cuja receita é muita baixaria e machismo. Por tabela, essa música de péssima qualidade descaracteriza nossa cultura nordestina e introjeta na juventude comportamentos danosos à sociedade. As letras da “fuleiragem music” apresentam uma temática repetitiva e de uma estupidez sem limites. Os espetáculos de rua enfocam cenas de pretensas danças que normalmente só se assiste em boate ou clube privê.

O que mais causa apreensão é a forma como a mulher é tratada nas letras dessas músicas, e a regressão a que está sendo levado o relacionamento homem/mulher. O crítico de música pernambucano José Teles disse que “o que o movimento feminista levou décadas para construir, os autores desses repertórios estão destruindo em poucos e pobres acordes”. Nas letras, a mulher não é só objeto, é um objeto descartável, sem valor e sem caráter. Pegue-se uma letra da música de uma banda dessas, chamada “Tapa na cara”. É de uma grossura inacreditável. Tem um trecho que diz: “ela apanha pra dormir e acorda pra apanhar”. O cara bate na mulher em todas as estrofes e no fim se justifica: “os vizinhos não sabem a cachorra que ela é”.
A Prefeitura de João Pessoa, em boa hora, excluiu esse tipo de banda em seus eventos musicais de rua. Caruaru acaba de decretar que no São João não se toca música de “forró bundinha”, como também é chamado esse lixo cultural. É uma questão apenas de bom senso e respeito a certos valores morais, éticos e culturais que não dá pra desprezar em nome do sucesso, do aplauso do público entorpecido por esse tipo de música. Esses critérios de escolha do que se deve pagar com o dinheiro público é que fizeram com que as prefeituras citadas deixassem de programar “forró de plástico” em seus eventos.

Eu lamento ouvir nas programações de pretensas rádios comunitárias o dia todo tocando essas porcarias. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar do que acha que é bom, por pior que esse “bom” seja. Ainda mais que, sem opção, o ouvinte só escuta esse tipo de música, porque o esquema de jabaculê é tão forte que as rádios comerciais só tocam o “forró de merda”. Sem opção, o ouvinte passa a apreciar o lixo que lhe impõem. Mas daí a programar essa excrescência em uma rádio comunitária, é de amargar!

Primeiro porque rádio comunitária está fora dos esquemas do jabaculê, que é a grana correndo frouxa para os bolsos de programadores e locutores das rádios comerciais para tocarem até a exaustão o que mandam as gravadoras. Depois, acham que é chique tocar aquela banda que apareceu no Faustão, mas no fundo estão dando força ao subproduto da indústria cultural e menosprezando o respeito à nossa cultura e aos direitos fundamentais das pessoas.
Passei em Sapé e sintonizei a Rádio Comunitária Sapé FM, que na verdade pertence ao meu compadre Mestre Camilo, um palhaço de pastoril que veio do rádio comercial e botou sua tendazinha com o nome de comunitária. O dia todo, a rádio do mestre Camilo só tocou “fuleragem music”, igual às rádios comerciais. O mestre Camilo não é culpado por sua rádio imitar as comerciais e só programar essas músicas lamentáveis. Ele não sabe, e talvez jamais venha a ter essa consciência, de que são os padrões e valores que determinam o comportamento social e que a indústria cultural é que diz como nos comportar. Ou seja, eles dizem o que é importante aprendermos. Sem nem notar, mestre Camilo divulga na sua rádio a ideologia da indústria cultural que é reacionária. Mestre Camilo toca o que está na moda, aquilo que as gravadoras determinaram que a gente ouvisse para que o povo comprasse o que vendem. Um certo companheiro de rádio comunitária me disse um dia: “se a gente não tocar o que as rádios comerciais tocam, não vamos ter audiência”. Eu acho, no entanto, que audiência não é fundamental para uma rádio comunitária.

Na Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares, em João Pessoa, onde milito, a gente só toca música paraibana de qualidade. Sabe como a gente consegue manter a audiência? Botando o povo para falar na rádio de 15 em 15 minutos, o dia todo. O povo gosta de se ouvir no rádio. A comunidade mantém a sintonia na rádio porque sabe que estão falando de sua realidade, dos seus problemas e de coisas que estão acontecendo no seu quintal. Mas a maioria das “comunitárias” acha mais fácil tocar o lixo da moda para manter audiência.

A trilha sonora dessas rádios comunitárias que apelam para o esquema fácil de tocar baixaria anuncia apenas que são falsas comunitárias. Porque rádio comunitária é uma coisa nova, cujo objetivo é ajudar a mudar a sociedade, e a comunidade só assume a rádio de fato quando percebe essas diferenças. A questão cultural é fundamental para as mudanças sociais. As pessoas brigam por tantas coisas, mas não brigam quando nossa cultura é estuprada. E é o que faz esse tipo de música: estupra nossa cultura.

Fábio Mozart