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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Rádios comunitárias querem o fim da cobrança abusiva de direitos autorais pelo ECAD.



Frente à crescente pressão do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) de fazer as rádios comunitárias pagarem pelo uso de obras musicais, a organização de Direitos Humanos Artigo19 e a seção brasileira da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil) encaminharam uma ação jurídica chamado amicus curiae, para que se garanta a não cobrança. O documento argumenta, que o intento do ECAD de cobrar das rádios comunitárias da mesma forma como de emissoras comerciais, consiste em “um tratamento flagrantemente discriminatório e restritivo” que contribui para “criminalização das rádios comunitárias, […] violando o direito humano da liberdade de expressão”.

Exigir por meio de um amicus curiae a intervenção dos julgadores do Superior Tribunal de Justiça não se alimenta numa ameaça hipotética da liberdade de expressão. Segundo a experiência de muitas rádios comunitárias brasileiras, há anos que o ECAD manda faturas para as estações, insistindo na sua obrigação de pagar pelo uso de áudios protegidos pelo direito do autor. Porém, tem que recordar que não se pode geralizar essa obrigação sem levar em conta o caráter não-comercial das emissoras comunitárias, a sua função social e as suas reduzidas fontes de recursos, fortemente limitadas pela lei de 9612/98.

Além da existência de centenas de exemplos, o Artigo19 e a Amarc Brasil justificam a sua ação jurídica com o caso concreto da “Associação Comunitária Ecológica do Rio Camboriú” da qual o ECAD cobrou pelas “transmissões ao público de composições musicais sem prévia autorização dos titulares dos direitos autorais”. Depois ser “julgado improcedente o pedido de cobrança” pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o ECAD insurgiu-se contra essa decisão defendendo a ideia de que o direito de autor e derivadas cobranças podem e devem ser cobradas indiscriminadamente de todos os distintos atores radiofônicos. Mas essa postura, segundo o Artigo19 e a Amarc Brasil ignora “que não é qualquer uso ou exposição pública que gera a percepção de direitos autorais, pois o uso natural e despretensioso por terceiros, para satisfação própria ou sem fins económicos – como no caso das rádios comunitárias, não vêm por violar direitos patrimoniais do autor”. Dito de outra forma: os autores somente podem exigir uma retribuição se a “exposição pública é feita com objetivo de lucro”.
Mas o caráter não-comercial somente é uma descrição negativa, ou seja, algo que não fazem as rádios comunitárias para demonstrar que é indevido as cobrar. Além disso, o Artigo19 e a Amarc Brasil reconstroem também as razões da liberdade de expressão e as concretas atividades das rádios comunitárias que justificam serem liberadas dos pagamentos. Essa razões centram-se sobretudo na “promoção da cultura nacional e regional” e também na “disseminação educacional”. Do ponto de vista dos Direitos Humanos, são os Estados-Nações e as suas instituições que devem garantir o livre exercício da radiodifusão comunitária, partindo dos princípios da diversidade, da pluralidade e da igualdade dos meios da comunicação. Por último, deve ser entendido ao invés de uma “igualdade” no momento de pagar taxas, uma intervenção do Estado para “evitar a desigualdade” das possibilidades das rádios comunitárias no seu exercício da liberdade de expressão. Citam-se no amicus vários exemplos de legislações nacionais que já hoje protegem melhor esses Direitos Humanos que as atuais leis vigentes no Brasil não garantem.

Com a sua intervenção legal, o Artigo19 e a Amarc Brasil comprometem-se com a apresentação de provas ao longo do procedimento e exigem de forma obrigatória a “realização de sustentação oral na sessão de julgamento”. Chamam a atenção sobre uma reivindicação que a próprio Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) formulou para os Estados-Nações das Américas há algum tempo: a “necessidade de sistematizar e explicar o marco jurídico que regula e efetiva a proteção da liberdade de expressão”

Amarc Brasil

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

DEMOCRATIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES


Dênis de Moraes


“O Brasil é a vanguarda do atraso da América Latina”

Por Najla Passos

Considerado um dos mais lúcidos observadores dos fenômenos da comunicação de massa no Brasil, o professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Dênis de Moraes, tem se dedicado a estudar como os governos de origens populares da América Latina enfrentam o monopólio midiático, com legislações e políticas públicas mais democráticas e inclusivas. Ele tem pesquisado, também, o potencial da rede mundial de computadores como nova arena de embates pela hegemonia política e cultural.
Nesta entrevista à MídiaComDemocracia, o autor de A Batalha da Mídia e Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede critica o imobilismo dos sucessivos governos brasileiros frente à necessidade de se democratizar a comunicação, o que coloca o país em descompasso com seus vizinhos latinoamericanos. E condena, em especial, a falta de políticas consequentes de inclusão digital e de fortalecimento da internet como ferramenta já indispensável à pluralidade de vozes sociais.

Por que a luta pela democratização da comunicação é uma necessidade urgente da sociedade brasileira?

Dênis de Moraes – A democratização do sistema de comunicação é uma exigência incontornável e inadiável. A legislação de radiodifusão brasileira continua sendo uma das mais anacrônicas da América Latina. Até hoje, não foram regulamentados os artigos 220 e 221 da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, que, respectivamente, impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa (art. 220, § 5º) e asseguram preferência, na produção e programação das emissoras de rádio e televisão, a “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, além da “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação” (art. 221, I e II).

E como você avalia a ação do Estado brasileiro neste sentido? 

D.M. – O imobilismo dos sucessivos governos chega a ser alarmante. As políticas públicas de comunicação, quando existem, são absolutamente tímidas, limitadas, fragmentadas e desencontradas. Não há uma visão estratégica, por parte do poder público, sobre o estratégico campo da comunicação de massa. Isso é grave porque as políticas públicas são indispensáveis para a afirmação do pluralismo, como também para definir o que deve ser público e o que pode ser privado, resguardando o interesse coletivo frente às ambições particulares.

E quais as consequências deste imobilismo?

D.M. – As consequências do imobilismo são de várias ordens. A concentração monopólica da mídia não para de acentuar-se. De maneira geral, tem-se a percepção de que os governos se omitem em relação a esse grave problema por receio de contrariar os grandes grupos privados que controlam, há décadas, o setor. Persiste o coronelismo eletrônico (concessões diretas ou indiretas de licenças de rádio e televisão a parlamentares e políticos profissionais). Até quando vamos testemunhar o fechamento de rádios comunitárias, com a apreensão, autorizada pela Anatel ou por mandados judiciais, de equipamentos pela Polícia Federal e o indiciamento dos responsáveis com base em dispositivos ultrapassados do Código Brasileiro de Telecomunicações (1962) e da Lei Geral de Telecomunicações (1997)?

E qual o papel dos movimentos de luta pela democratização da comunicação neste cenário? Eles têm cumprido adequadamente o papel de diagnosticar e propor alternativas para este estado de coisas? 

D.M. – Não é por falta de diagnósticos abrangentes e de proposições consequentes que não se renova o sistema de mídia do Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009 com a expressiva participação de delegados escolhidos por entidades da sociedade civil, pelo empresariado e pelo próprio governo, foi um marco histórico em termos de esclarecimento e discussão pública das questões comunicacionais, tendo sido precedida por uma série de conferências estaduais e municipais. A Confecom definiu os temas prioritários que devem ser enfrentados pelo poder público para a democratização da comunicação no país. E, no entanto, quase três anos depois, a imensa maioria das 633 proposições da Conferência, ao que se sabe, ainda não foi incorporada à ação governamental.

Na América Latina, o quadro parece bem diferente do brasileiro. Diversos governos progressistas e/ ou de origens populares têm tomado medidas importantes para atacar os monopólios e democratizar a comunicação dos seus países. Quais delas você destaca e como acredita que impactarão nos sistemas de comunicação no continente?

D.M. – Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o quadro de transformações na América Latina não surgiu de maneira espontânea. No fim dos anos 1990 e começo da década de 2000, em vários países, houve protestos e mobilizações contra a herança nefasta do neoliberalismo (desemprego estrutural, cortes de direitos trabalhistas e previdenciários, agravamento da pobreza, da miséria e das desigualdades sociais). Na Argentina, Venezuela, México, Equador e Bolívia, os movimentos sociais conseguiram se rearticular para enfrentar o neoliberalismo. Neste contexto, entidades reivindicantes incluíram nas agendas das lutas sociais o direito à comunicação e a necessidade crucial da democratização da informação e da produção cultural. A maior novidade foi a posterior adesão dos governos à causa da democratização da comunicação, que passa, em primeiríssimo lugar, por mudanças nos marcos regulatórios e nas leis herdadas das ditaduras militares, que favoreciam os grupos empresariais. A defesa do direito social e humano à comunicação constitui um relevante avanço de perspectiva. A participação protagônica do poder público nas questões comunicacionais é uma demanda insuperável e indispensável, porque o neoliberalismo tentou nos convencer de que o mercado seria capaz de distribuir conhecimentos de maneira equânime. Uma mentira, já que o mercado é elitista e está estratificado, o que marginaliza os setores populares de maneira dramática. Então, numa região marcada por desequilíbrios e profundas desigualdades, o Estado precisa intervir para garantir a soberania nacional – o que, na atualidade, tem muito que ver com o acesso e o usufruto social das tecnologias. Nos últimos dez, doze anos, a comunicação ingressou nas agendas públicas como um dos temas prioritários. E dessa atitude dos governos progressistas resultaram novas legislações de caráter antimonopólico. Por exemplo, a chamada Lei de Meios na Argentina, a Lei de Radiodifusão Comunitária, no Uruguai, e a Lei de Comunicação Popular, na Venezuela, entre várias outras iniciativas meritórias, são legislações avançadas e inclusivas, que desfazem privilégios e discriminações acumulados em décadas de omissão dos poderes públicos. No Uruguai, a lei permite que a radiodifusão comunitária seja amplamente legalizada e descentralizada. A comunicação alternativa, comunitária e popular na Venezuela tem agora condições e garantias para se desenvolver, inclusive com fomento estatal e facilidades de regulamentação. Por sua vez, a lei argentina rompe com a cadeia de submissão do campo da comunicação aos interesses privados – interesses, por definição, particulares e, em grande parte, excludentes. A vigência da Lei de Meios é um fato espetacular não somente para a sociedade argentina, como também para a América Latina, porque é um paradigma a seguir por seu valor como instrumento antimonopólico e de fomento ao pluralismo e à diversidade. Ao coibir a concentração das atividades comunicacionais nas mãos de poucos grupos, estimula um fluxo informativo com opiniões e perspectivas diversas, além de ter dispositivos de incentivo estatal à produção audiovisual independente e à comunicação comunitária sem fins lucrativos. Por fim, é importante acentuar que a democratização dos sistemas de comunicação depende de uma divisão equitativa entre os três setores envolvidos: o estatal/público, o privado lucrativo e o social não lucrativo. Depende também de vontade política, compromisso institucional e respaldo popular, pois não adianta ter leis antimonopólicas se o poder público não se empenha para fazer cumpri-las.

Neste quadro, o descompasso entre o Brasil e os seus vizinhos fica ainda mais evidente...

D.M. – Historicamente, tem faltado vontade política à Presidência da República e a uma parte ponderável do Congresso Nacional para assumir a causa urgente da democratização da comunicação. É uma lástima que, nesse campo, o Brasil esteja na vanguarda do atraso na América Latina. Basta olhar a maioria dos países vizinhos para verificarmos como o nosso país ficou para trás, nos últimos anos, em termos de providências governamentais em prol da diversidade informativa e cultural. Espero que a presidenta Dilma rompa com a inércia de seus antecessores e demonstre vontade política e coragem para promover mudanças significativas no atual sistema de comunicação, a partir de consultas aos setores da sociedade civil envolvidos na questão.

Em outubro, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) – entidade que, na prática, funciona como sindicato dos donos dos grandes conglomerados de comunicação – se reuniu no Brasil e manifestou sua preocupação com essas mudanças que têm ocorrido na América Latina, em defesa de uma suposta “liberdade de expressão”. Esse conceito, que é uma bandeira histórica dos setores progressistas, está desgastado?

D.M. – É uma petulância – embora haja quem prefira o substantivo cinismo – a SIP falar em “liberdade de expressão”. A maioria dos grandes grupos midiáticos adota critérios e controles editoriais que frequentemente excluem o contraditório, ou seja, as posturas críticas e as visões alternativas. Então, com que autoridade a SIP, que os representa, vem falar em “liberdade de expressão”? É uma expressão que não reconheço existir no léxico das corporações do setor. A verdadeira liberdade de expressão está ameaçada, isso sim, por monopólios que tentam neutralizar ou depreciar as vozes dissidentes. Os monopólios mantêm uma busca incessante de privilégios mercantis que, quase sempre, se sobrepõem aos interesses coletivos, tudo isso em prol da liberdade de empresa. Além disso, seus editoriais e noticiários tendenciosos atacam os governos progressistas que qualificam a diversidade informativa e cultural como item fundamental para a democratização da vida social. As campanhas opositoras da chamada grande mídia contra presidentes progressistas são articuladas e insidiosas. Você percebe que as mesmas matérias hostis e facciosas são republicadas, em vários países, pelos principais jornais parceiros, todos eles batendo na tecla de que a liberdade de expressão está em risco. Trata-se de argumentos falaciosos, que distorcem tudo aquilo que envolve a regulação democrática da mídia e ocultam da opinião pública as pretensões políticas e econômicas dos grupos monopólicos. Eles reagem violentamente quando seus interesses e conveniências são afetados. Não admitem ceder os privilégios conquistados, na maior parte das vezes, durante as ditaduras militares. As campanhas são mais violentas nos quatro países onde os governos se opõem com firmeza à dominação histórica da mídia: Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador. Este é um eixo de governos comprometidos – de maneiras diferentes e de acordo com os contextos de cada um em particular – com a ideia de que a comunicação é um direito humano que tem que ser respeitado.

E qual sua avaliação sobre esta reunião da SIP? 

D.M. – A pior possível. A recente festa do patronato da mídia em São Paulo simplesmente repetiu, monótona e melancolicamente, a catilinária em favor da liberdade de empresa, das ambições mercantis e das pretensões monopólicas. A única coisa positiva foi a ausência da presidenta Dilma Rousseff, que frustrou e irritou os chefes dos grupos midiáticos. A meu ver, a decisão de ignorar a SIP foi um ponto alto nos dois primeiros anos de governo de Dilma.

Seus trabalhos mais recentes analisam também o ativismo na internet. A rede mundial de computadores é uma nova arena de luta para a construção de consensos?

D.M. – Sem dúvida. Em sua vertiginosa expansão, a internet constitui mais uma arena de embates pela hegemonia cultural e política, da qual já não podemos abrir mão. No ecossistema virtual, descentralizado e interativo, desenvolvem-se múltiplas práticas comunicacionais e jornalísticas viabilizadas pelo desenvolvimento de tecnologias digitais, à margem dos mecanismos de controle e seleção da mídia tradicional. As informações são produzidas e disponibilizadas sem relação de dependência a centros fixos de emissão e enunciação. O aproveitamento da rede mundial de computadores para a difusão e a circulação social de conteúdos contra-hegemônicos – isto é, de contestação às formas de dominação impostas pelas classes e instituições dominantes – constitui hoje pressuposto para ações conjugadas e complementares de defesa dos direitos da cidadania, da justiça social e da liberdade de expressão.

De que modo se dá a apropriação dessas tecnologias para a disputa contra-hegemônica?

D.M. – A comunicação virtual proporciona uma ampliação significativa dos espaços de difusão (portais, sites, blogs, revistas eletrônicas) e de compartilhamento (redes sociais, listas e fóruns de discussão), até então separados pela geografia e por dificuldades técnicas e financeiras. A meta precípua é abrir espaços de divulgação, participação e intercâmbio que reforcem expectativas para a formação e a expansão de coalizões contra hegemônicas, baseadas em afinidades eletivas e objetivos convergentes. Incluem-se aí projetos, experiências e meios ligados a movimentos sociais, populares e comunitários, organizações políticas e grupos militantes compromissados com o enfrentamento do sistema dominante e a construção de uma hegemonia voltada à emancipação social.

É um espaço que, potencialmente, viabiliza a mídia alternativa, historicamente engolida pelos custos operacionais dos veículos tradicionais? Que permite a articulação de movimentos contra-hegemônicos nacionais e internacionais? 

D.M. – Observa-se significativa expansão de meios alternativos que utilizam a internet e tecnologias digitais como ferramentas para uma comunicação autônoma e diversificada. A instantaneidade, a transmissão descentralizada, a abrangência global, a rapidez e o barateamento de custos tornam-se vantagens ponderáveis para o desenvolvimento de um modo de produção jornalístico que se assenta em rotinas de criação virtual e práticas cooperativas sem correspondência nas engrenagens de industrialização da notícia. Respondo à segunda parte da pergunta, sim, entendo que internet facilita a coordenação e a articulação dos pontos da rede envolvidos em causas comuns, possibilitando uma maior circulação de informações, ideias e interpretações sobre a realidade social e rompendo, em boa medida, o monopólio informativo instituído pela mídia hegemônica. Tudo isso, geralmente, em regime colaborativo, baseado no princípio inclusivo do copyleft (reprodução livre das informações, desde que citada a fonte original), sem fins lucrativos, portanto na contramão da obsessão mercantil dos grupos midiáticos.

E quais são os reais limites da internet? 

D.M. – Sem deixar de reconhecer os usos sociais benéficos das tecnologias e o seu potencial para diversificar as práticas comunicacionais, permitindo o alargamento da liberdade de expressão, devemos ressalvar que essas mesmas tecnologias não têm o poder de dissolver graves desigualdades e desequilíbrios socioeconômicos que impedem a ponderáveis contingentes populacionais o acesso e o usufruto de conhecimentos, informações e entretenimentos na órbita da rede. A brecha digital ainda é enorme, sobretudo nas áreas periféricas. Por outro lado, há necessidade de ampliar a penetração social das mídias alternativas e comunitárias que se expandem na internet, ainda aquém do potencial que todos desejamos. Para isso, penso ser necessário um conjunto de providências articuladas, tais como políticas consequentes de comunicação eletrônica, criatividade, adequação de formatos e linguagens a públicos mais abrangentes, melhor aproveitamento de ferramentas de divulgação e interação, atuação incisiva e articulada nas redes sociais, o desenvolvimento sistemático de coberturas e campanhas compartilhadas.

Você criticou, anteriormente, as limitações das políticas públicas para o setor de comunicação. No caso do acesso à internet, ainda restrito, vale a mesma lógica?

D.M. – A democratização dos acessos depende, entre outros quesitos, de modelos de desenvolvimento socioeconômico inclusivos; de políticas que intensifiquem os usos sociais, culturais, educativos e políticos das tecnologias; do desenvolvimento de infraestruturas de rede em banda larga; de investimentos públicos consequentes; do barateamento de custos teleinformáticos; de formação educacional condizente. Daí a importância de pressões sociais organizadas para que os poderes públicos se convençam de que é fundamental à descentralização dos sistemas de comunicação valorizar as plataformas, suportes e meios alternativos e comunitários que atuam no âmbito digital, através de programas institucionais de apoio técnico, treinamento e capacitação tecnológica, fomentos, patrocínios e cotas da publicidade oficial. Os investimentos públicos são importantes para ajudar a criar condições de sustentabilidade a experiências que contribuam para a diversidade informativa e cultural.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Histórias de rádios comunitárias



Beba apresentando-se no aniversário da Rádio Comunitária Araçá, de Mari/PB

Um violão na manichula

Um dia, as luzes da ribalta do circo mambembe lhe haviam refletido um futuro de glória artística. Tocando na orquestra do circo, Beba chamou a atenção do pessoal. “Vamos pra São Paulo, gravar um disco. Você toca bem demais!”, disse o empresário ocasional. Beba recusou o convite. Bastava pra ele o delírio das mulheres damas da zona, o carinho da voz de Heleno Boca de Rosa e a admiração dos bebinhos nas mesas de botecos. Jamais saiu de Mari. Seu violão matuto só aprendeu a dedilhar as pequenas paixões suburbanas das meretrizes e dos caneiros, seus amigos.

Beba aprendeu sozinho a tocar o instrumento. Sem saber ler, faz seus acordes e improvisações com a naturalidade dos gênios. Beba do Violão, seu nome, sua profissão de fé, sua vida. Beba de Mari, tocador dos lupanares, das noites seresteiras. Além de tocar violão, só sabe pescar. Nenhuma dessas atividades rende o suficiente para manter a prole, que não é pequena. Completa a renda com ajuda dos amigos, quando rola raramente um couvert artístico.  Com certo ar involuntário de superioridade, sabe-se rodeado da consideração dos admiradores. Na maioria das vezes, quando se embriaga, um também involuntário vazio o assola. Beba só é bom no começo da festa. Depois de alguns copos, só toca o que gosta, não atende pedidos. Não é profissional. Se fosse, estaria em São Paulo, gravando discos, tocando na banda de Roberto Carlos. Foi convidado, mas nunca saiu de Mari, onde tem quem goste de ouvir sua “Beleza da rosa”, seu violão endiabrado, onde pode manter sua altivez de artista do povo.

Meu compadre Beba do Violão era o astro principal do programa que eu apresentava na Rádio Comunitária Araçá, toda sexta-feira. Chamava-se “Seresta brasileira”, onde pontificam as vozes modestas, mas sinceras, dos seresteiros João Pião e Heleno Boca de Rosa, o Augusto Calheiros das piniqueiras. No estúdio apertado, eu reunia meia dúzia de artistas já um tanto “tocados” pela água de alambique. Depois do programa, a gente sempre completava o horário na barraca de Joca, esticando para o cabaré de Maria Pintada. O empresário era Assis Firmino, o cara que é feito bolacha: em todo canto se acha. Rapaz comunicativo que sempre procurou seu lugarzinho ao sol. Se o sol não entra pela porta, ele sempre arruma um jeito dele entrar pela janela. 

Quanto a Beba do Violão, continua aquela pessoa simples, sem machucar ninguém, tocando seus acordes analfabetos e mágicos, vivendo quieto no seu cantinho, pegando um trocadinho aqui e ali com o suor de sua arte. Um suor que parece menos nobre. Mas não é. 

Fábio Mozart

www.fabiomozart.blogspot.com