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domingo, 16 de janeiro de 2011


Livro aborda o processo de criação da Rádio Comunitária Araçá FM, a instrumentalização de emissoras do tipo no país e o aprendizado da comunidade em torno de uma comunicação emancipadora

Manassés de Oliveira
manasses.manasses@hotmail.com


Guimarães Rosa afirma que “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, está na travessia”. Foi a travessia empreendida pela comunidade de Mari para botar no ar a Rádio Comunitária Araçá FM que motivou Fábio Mozart a escrever o livro “Democracia no ar”.

De acordo com Marcos Antonio Veloso, no prefácio da obra, “Fábio Mozart é daquelas pessoas que têm a noção exata da convivência com seu semelhante, um amigo que realiza nos atos do dia-a-dia a prática de suas convicções éticas”. É preciso ética para fazer com que uma rádio comunitária seja, de fato, um equipamento cultural aberto à comunidade e livre de comercializações e preconceito de quaisquer tipos.

A Araçá FM foi idealizada num projeto encaminhado pela comunidade ao Ministério das Comunicações no dia 05 de janeiro de 1998. Em setembro do mesmo ano a emissora entrou no ar e, cinco meses depois, foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Seis meses e dezessete dias após o fechamento, em 1º de março de 1999, a emissora recebeu o aviso de habilitação para uma estação do tipo no município de Mari.

Os pormenores dessa história estão registrados no livro de Fábio Mozart. O texto faz uma reflexão objetiva sobre o processo de criação da Araçá FM e reconhece a importância da participação da comunidade em torno de um projeto de comunicação comunitária.
O livro aborda ainda a falta de uniformidade de propósitos do movimento das rádios comunitárias na Paraíba e denuncia a mercantilização e a apropriação dessas estações por pessoas que usam laranjas para camuflar suas práticas ilegais.

Essa abordagem do autor configura o caráter independente de sua obra. Embora as rádios comunitárias sejam mecanismos de promoção da cidadania em pequenas localidades, muitas delas, são instrumentos de proselitismo político e comercialização de espaços no conforto da impunidade do interior do país.

Pesquisa coordenada por Vinício Lima e Cristiano Lopes, intitulada “Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política”, e publicada pelo Observatório da Imprensa, afirma que “As rádios comunitárias, na sua maioria, são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais – vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes partidários – vindo num distante segundo lugar o vínculo religioso, predominantemente da Igreja Católica”.

Reside aí a importância do livro “Democracia no ar”. Marcos Antonio Veloso, ainda no prefácio da obra, afirma que Fábio Mozart “passou a ser um ponto de referência na escrotidão que domina o meio. Conheço safado metido em rádio comunitária que já tem até rede de emissoras, controladas por ele em nome de laranjas”.

Veloso se refere às distorções verificadas nas práticas das rádios comunitárias no país. Ações que Fábio Mozart mostra como sendo um problema a ser denunciado e enfrentado.

A obra que também traz uma coletânea de matérias publicadas em jornais do brejo paraibano e da grande imprensa dá especial atenção à participação do povo na gestão da Rádio Araçá FM e na luta pela sua manutenção: “Esse movimento, irreversível, assumiu de vez a responsabilidade do aperfeiçoamento de nossa sociedade e a democratização da informação, da cultura e das formas de relacionamento das comunidades em todos os rincões brasileiros, promovendo identidade cultural local, estimulando a solidariedade entre os cidadãos e provocando a autoestima das pessoas”.

“Democracia no ar” é um livro importante, que serve de base para estudantes, comunicadores populares e pesquisadores num espaço onde as publicações são raras e, muitas vezes, sem conteúdo crítico em relação às práticas negativas adotadas em muitas rádios “comunitárias” do país.

Marcos Antonio Veloso]
“A imensa tragédia da imbecilização em massa, levada a cabo pelas TVs e rádios comerciais, talvez seja a mãe de todas as outras mazelas sociais que infelicitam o nosso povo. É contra isso, basicamente, que luta a rádio comunitária defendida por pessoas como Fábio Mozart”.


Cicilia Peruzzo] “(...) uma rádio comunitária, para ser assim caracterizada, mais que se circunscrever a uma localidade e falar das suas coisas, não pode ter fins lucrativos, ao mesmo tempo em que deve ter programação comunitária e gestão coletiva, ser interativa, valorizar a cultura local e ter compromisso com a cidadania e a democratização da comunicação”.