Escrito por: Cláudia Rocha
Fonte: Barão de Itararé
Fonte: Barão de Itararé
Com uma legislação antiga e que não acompanhou o
desenvolvimento do setor, organizações sem ligação com grandes empresários da
comunicação continuam sem voz e sem incentivos para a construção de emissoras e
de uma mídia mais democrática.
Na compra de um transmissor de televisão importado
da Alemanha, a TVT – emissora gerenciada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Paulista – investiu a expressiva quantia de R$ 3,5 milhões. A antena está
localizada na Avenida Paulista e a estimativa é de que, agora com a nova
estrutura, 22 milhões de pessoas tenham acesso ao conteúdo ligado aos direitos
humanos e ao mundo do trabalho. "Da forma com que as concessões de
radiodifusão são construídas, se torna proibitivo para muitos movimentos
sociais terem voz nesse setor. Fica praticamente inviável", comenta Valter
Sanches, presidente da Fundação que gerencia a TVT.
A primeira emissora brasileira a conseguir uma
concessão por meio de um sindicato entrou no ar em junho de 2010 e, somente
agora, está conseguindo uma estruturação que vai permitir a ampliação de
público. "Pra nós tudo é difícil", desabafa Sanches. Além da falta de
recursos para a consolidação de um canal de televisão construído a partir de um
sindicato, a TVT esbarrou também na burocracia para obter a outorga. O pedido
foi feito em 1987 e Sanches explica que durante os governos de José Sarney,
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso nada foi feito. Somente no segundo
mandato de Lula, foi aberta a licitação para a abertura da concessão.
O exemplo da TVT demonstra claramente a dificuldade
de fazer comunicação no Brasil longe das iniciativas tradicionais. As emissoras
que detêm as outorgas de rádio e TV, no país, estão formadas com base em
grandes grupos de comunicação que praticam a propriedade cruzada (quando o
mesmo grupo controla diversos veículos de diferentes mídias); Apesar de o
parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição explicitar que "os meios de
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio
ou oligopólio", ainda não há regulamentação efetiva sobre o assunto.
As primeiras iniciativas em relação à
regulamentação do setor de comunicação no Brasil surgiram na década de 30,
ainda com Getúlio Vargas. Os primeiros decretos apareceram nos anos de 1931 e
1932 e regulamentavam a operação dos sistemas de rádio. De lá para cá, o modelo
que foi importado dos Estados Unidos permanece intacto: o governo brasileiro cede
à iniciativa privada a exploração dos meios e a sustentabilidade do negócio se
dá por meio de publicidade. Apesar de copiarmos o modelo, ficou faltando uma
cláusula que proíbe a propriedade cruzada, que existe até mesmo na lei
norte-americana. "Por ser uma linguagem de mercado controlada por
empresários, há um bloqueio automático da produção independente e da
pluralidade de vozes", destaca o jornalista e sociólogo professor em
Comunicação pela UNB, Venício Lima.
As regras para conseguir operar uma concessão
também já ficaram obsoletas. O Decreto nº 52.795 que regulamenta concessões de
radiodifusão no país vigora desde 1963. Em 2012, o ministro das Comunicações
Paulo Bernardo alterou o antigo decreto deixando os procedimentos licitatórios
ainda mais rígidos para entidades com poucos recursos. À época, Paulo Bernardo
declarou que "as novas regras têm como foco prestigiar quem é do
ramo". Com a alteração, a outorga deverá ser paga à vista no leilão e não
poderá ser parcelada, como anteriormente; Houve também a separação entre as
outorgas de rádio, que ficam submetidas ao Ministério das Comunicações, e as
outorgas de TV, que são responsabilidade do Presidente da República.
Para representantes do FNDC, o Fórum Nacional Pela
Democratização da Comunicação, dentre as diversas demandas que precisam ser
atendidas para que o setor seja regulamentado, a transparência é fundamental.
Além de serem prejudicados pela falta de investimentos públicos em comunicação
no país, não só movimentos sociais, mas também pequenos empreendimentos e meios
alternativos sofrem com a falta de transparência e, principalmente, com a
ausência de mecanismos de participação social (audiências e chamadas públicas)
em relação às renovações e novas concessões.
Projeto de lei e os mecanismos para regulamentar as
concessões
Distantes da lógica dos grandes grupos, movimentos
socias e mídias alternativas ficam reféns da falta de verbas para a
consolidação de emissoras que podem representar alternativas ao que a mídia
tradicional já veicula. Visando resolver essa brecha, o Projeto de Lei de
Iniciativa Popular da Mídia Democrática defende o conceito de um instrumento
que pode minimizar a complexidade e os custos após a aprovação da concessão no
Congresso Nacional: é o conceito chamado de "Operador de Rede".
No artigo 7 – do cap. 3 – do Projeto de Lei, está
previsto que "Caberá ao Operador de Rede organizar as programações das
emissoras nos canais a ele outorgados pela Agência Nacional de Telecomunicações
e assegurar a difusão dessas até a casa dos usuários em condições técnicas
adequadas, bem como oferecer seu serviço às prestadoras de serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens, em condições justas, isonômicas e não
discriminatórias".
Essa divisão de áreas dentro do processo de
comunicação já vigora em alguns países da Europa. O professor da Escola de
Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas, explica o modelo: "É como se fosse a
concessão de uma estrada. A empresa só é responsável por gerenciar o asfalto,
quem tem o controle sobre os carros e ônibus que passam pela rodovia são outras
pessoas"; Dantas é um grande defensor deste modelo previsto no Projeto de
lei. Com a criação das empresas operadoras de rede, haveria uma divisão entre a
produção de conteúdo e a montagem da estrutura que, por ser muito cara, inviabiliza
que diversos movimentos sonhem em algum dia terem voz no espectro
eletromagnético. "Se este modelo já estivesse em vigor, seria possível
que, por exemplo, um segmento como os metalúrgicos do ABC pudesse ter o foco de
seus investimentos apenas na produção de conteúdo e não ter de arcar com a
estrutura", comenta Dantas.
O conceito de empresas com a função de Operador de
Rede será ainda mais necessário com a chegada da TV Digital, que vai
possibilitar a multiplexação, ou seja, a convergência de diversas programações
diferentes em um só sinal. Assim, o professor Marcos Dantas, sinaliza que o
detentor da concessão poderá trazer diversos grupos produtores de conteúdo, o
que pode ser uma iniciativa positiva para a diversidade regional e a
pluralidade de opiniões na televisão.
Para assegurar que haja uma divisão justa para
diferentes segmentos da sociedade, a Constituição define a divisão do espectro
radioelétrico em três partes: Sistema Público (para canais os comunitários e os
públicos – como exemplo a TV Brasil); Sistema Privado (emissoras com fins
lucrativos, como Globo, SBT e Record) e Sistema Estatal (para os canais das
esferas do Estado, como a TV Justiça e TV Senado). O PLIP propõe que sejam
divididos igualmente – um terço para cada tipo.
Com a divisão assegurada, o
próximo passo é o financiamento, que também está comtemplado no projeto. A
sugestão é que seja criado um Fundo Nacional de Comunicação Pública com a
destinação de uma parte do recolhimento de um imposto já existente e também com
o recebimento de verbas de propaganda dos governos federal e estaduais.