Conheço Jessier Quirino desde 2004, quando fizemos parte da
comissão que organizou as comemorações pelo centenário do poeta Zé da Luz, em
Itabaiana. Naquela ocasião, produzimos uma revista, fizemos um espetáculo
musical e inauguramos o busto do poeta matuto de Itabaiana. No espetáculo,
apresentaram-se os artistas itabaianenses Adeildo Vieira, o forrozeiro Aracílio
Araújo e o saxofonista Arnaud Neto, com um detalhe: foi a primeira vez que
esses consagrados músicos tiveram a oportunidade de se apresentar em sua terra
natal. Sabe por quê? Pelo simples motivos de que a população não conhece as
obras desses artistas de tão alto valor. E isso acontece porque as rádios
comerciais não tocam suas músicas. Eles não fazem parte do esquema do velho
jabaculê, que consiste na prática de uma gravadora pagar dinheiro para a
transmissão de músicas em uma rádio ou TV. Por isso, só são divulgados nas
verdadeiras rádios comunitárias, aquelas que adotam o princípio de valorizar os
artistas da região.
Recebemos
mensagem de Nesmar Monteiro, morador da cidade de Ipiuá, uma comunidade pequena
no sertão da Bahia. Naquelas paragens, informa o leitor, “o poeta Jessier
Quirino retrata o Nordeste como ninguém, entra na alma do nosso povo, fala com
uma sabedoria de quem viveu as agruras e alegrias do sertanejo. Aqui em nossa
Rádio Comunitária, o Jessier Quirino está invadindo as casas com suas prosas e
canções. Mas tem um detalhe: só as rádios comunitárias tocam Jessier, porque as
outras se resumem ao forró falsificado das bandas bundinhas”. Isso
indica duas verdades: primeiro: Jessier Quirino hoje é um nome nacional,
indiscutivelmente a maior revelação paraibana no campo da poesia e da música
regional dos últimos tempos. Segundo, as rádios comunitárias estão resgatando a
autêntica cultura de raiz, através das ondas eletromagnéticas de baixa
potência, nas pequenas cidades brasileiras.
Corrupção
também é cultura: a palavra jabaculê tem origem africana, e seu sentido
original é “oferenda para que os maus espíritos não interfiram na harmonia da
comunidade”. O jabaculê das rádios comerciais é, portanto, uma “oferenda” para
que o esquema do lixo da indústria cultural continue a rolar nas ondas do
rádio, em detrimento da música de qualidade. Mas cabe a pergunta: e rádio
comunitária também não “come” jabaculê? Pode até ser, mas é um tanto
complicado, porque a indústria da música não se interessa por pequenas rádios
que só alcançam uma pequena cidade ou um bairro. O negócio deles é macro, no
atacado, envolvendo grandes redes de rádio e TV.
Mas
voltando ao Jessier Quirino, o fotógrafo Euclydes Villar da microssérie “A
Pedra do Reino”, da Rede Globo, o homem tá se tornando “nacioná e
internacioná”, mas onde ele reina mesmo é na difusora de pé de poste do
interior, e nas pequenas emissoras como a Rádio Comunitária Alto Falante, do
Alto José do Pinho, comunidade pobre do Recife. Lá tem um programa chamado
“Politicando”, que fala de temas ligados à política, logicamente, em linguagem
simples para o povão. No programa eles tocam músicas que falam de política.
Rodam Legião Urbana, Raul Seixas, Lobão e outros. Daí apareceu um morador da
comunidade que entrou no debate e recitou “Comício de beco estreito”, um poema
clássico de Jessier Quirino. Portanto, menino, quando o poeta está na boca do
povo, é porque está consagrado pra “seculum seculorum”. Assim falou Zaratustra
e Biu Penca Preta...
Fábio Mozart