Não foram uma, duas ou três vezes
que a presidente Dilma Rousseff já rejeitou publicamente qualquer iniciativa no
sentido de regular a comunicação no Brasil de forma análoga à que é regulada em
absolutamente todas as mais avançadas democracias do Ocidente. A presidente
reiterou isso várias vezes.
Segundo a primeira mandatária da
República, a única regulação que aceita, sobretudo para a comunicação
eletrônica (leia-se televisões e rádios), é a do “controle remoto”.
Por conta disso, projeto de marco
regulatório elaborado pelo governo Lula através de audiências com
representantes de países como, por exemplo, Estados Unidos, França, Alemanha e
Inglaterra que vieram ao Brasil para nos instruírem nessa matéria, foi
sumariamente engavetado.
Aquele projeto fora edificado sob a
batuta do ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência
da República (Secom) Franklin Martins. Sua sucessora, a ministra Helena Chagas,
porém, certamente cumprindo ordens da presidente Dilma jamais aceitou sequer
discutir o tema publicamente.
O resultado disso é que o Brasil
ainda padece sob uma legislação oriunda de meados do século passado apesar de
que, de lá para cá, a comunicação é das áreas que mais transformações sofreram
com o surgimento da internet e de formas revolucionárias de transmissão de
dados, imagem e som.
Não que grandes grupos de mídia como
as organizações Globo não queiram regulação. Querem, por exemplo, que as
empresas transnacionais que operam no setor de telefonia, por exemplo, não
possam usar as novas tecnologias para, por exemplo, transmitirem filmes,
novelas etc., pois essas potências mundiais da comunicação, que ostentam
capitais gigantescos, dizimariam Globos e congêneres.
A mídia brasileira, porém, não quer
regulação da propriedade de meios de comunicação ou do direito de resposta como
há nos países supracitados. Enganando o público, diz que esse tipo de regulação
seria “censura”, como se censura houvesse, por exemplo, nos Estados Unidos.
Aqui se chega ao ponto central do
artigo. Entre a regulação que a grande mídia quer e a que existe nos países
desenvolvidos, interpõe-se o dinheiro público.
O Estado é o maior anunciante do
Brasil e a distribuição de suas verbas termina se tornando fator determinante
de quais veículos sobrevivem e de quais morrem ou são engolidos pelos grandes.
E quem controla a distribuição dessas verbas é a Secom, pilotada por Helena
Chagas.
Até o início do governo Lula, em
2003, a Globo engolia praticamente tudo em termos de verbas publicitárias do
governo federal. A partir daquele ano, porém, o governo Lula passou a redistribuir
essas verbas de forma a estimular as ditas “novas mídias”.
Segundo a Secom, até 2002 o governo
Fernando Henrique Cardoso distribuía toda a sua verba publicitária para cerca
de 500 veículos – um escândalo que explica o amor que a grande mídia nutre por
aquele governo e por seu titular até hoje.
Mas, a partir de 2003, esse número
foi subindo até chegar, hoje, a cerca de 5 mil veículos que recebem verbas
publicitárias do governo federal
Essa, ao menos, é a lenda que se
criou. Na prática, porém, a realidade parece ser outra.
Na semana passada, o
secretário-executivo da Secom, Roberto Bocorny Messias, publicou artigo no site
“Observatório da Imprensa” em que, pela primeira vez, o governo federal revela
os valores que cada TV recebe pela divulgação dos comerciais estatais.
Não foram veiculados detalhes sobre
investimentos em outras mídias.
A Globo, de longe, foi o veículo que
mais recebeu recursos nos últimos dez anos – cerca de 6 bilhões de reais.
Contudo, hoje, percentualmente, recebe cerca de 2/3 do que recebia quando Lula
chegou ao poder – o percentual caiu de 61% a 44% entre 2003 e 2012.
Até 2003, porém, a entrega de verbas
públicas à Globo era inexplicável. Apesar de receber 61% de tudo que o governo
gastava, sua audiência era de apenas 55,2% da tevê aberta. Em 2012, apesar de
“só” ter recebido 44% das verbas, sua audiência foi 43%.
A Globo, portanto, não tem do que
reclamar. Recebe menos, percentualmente, porque sua audiência caiu muito.
Seria possível dizer, então, que
hoje a Globo recebe APENAS aquilo a que faz jus por sua audiência? Não é bem
assim. Segundo o site Viomundo, não entra nessa conta o que a Globo recebe
pelas suas tevês por assinatura e, pior, via emissoras afiliadas.
Nos números divulgados pela Secom,
tevês por assinatura e “outras tevês” abertas somam mais 14,43% das verbas.
A grande questão, porém, é a de que
audiência não é, em nenhum país civilizado, o único critério para distribuição
de verbas públicas de publicidade.
Um novo marco regulatório das
comunicações que fosse consoante com os tempos modernos deveria regulamentar
uma prática que é impositiva em todos os países desenvolvidos, o de o Estado
incentivar a pluralidade de meios de comunicação.
A Secom, em sua nota supracitada,
diz que já faz isso – estimula a pluralidade. Afirma que, em 2012, a
“programação de veículos em ações publicitárias do governo federal” atingiu
“cerca de 5 mil veículos”.
A afirmação do governo, no entanto,
é contestada pela Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da
Comunicação – Altercom.
Segundo a entidade, “Em 2000 (…) o
meio televisão representava 54,5% da verba total de publicidade, que era de
1,239 bilhão”. Mas, em 2012, “Esse percentual cresceu para 62,63% de uma verba
de 1,797 bilhão. Ou seja, houve concentração de verba em TV mesmo com a queda
de audiência do meio e o fortalecimento da internet”.
A afirmação da Altercom encontra
ressonância na própria nota da Secom, que afirma que faz “mídia técnica” ao
escolher os veículos nos quais anuncia. Ou seja: o critério de incentivo a
novas mídias presente nas legislações de todos os países desenvolvidos é
sumariamente desprezado no Brasil.
Trocando em miúdos: o único critério
é a audiência, sem levar em conta que muitos veículos são pequenos porque não
recebem verbas públicas e não recebem verbas públicas porque são pequenos.
O que se conclui é que governo Dilma
não só não regula a comunicação para dar ao país uma legislação coerente com a
contemporaneidade, mantendo-o no atraso nessa matéria, mas usa critérios de
distribuição de verbas que favorecem a concentração de propriedade de meios de
comunicação.
Eduardo Guimarães
Blog da Cidadania