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domingo, 6 de dezembro de 2009

A VOZ DE ITABAIANA E OUTRAS VOZES



Marcos Veloso (direita) entrevista o ex-deputado Fernando Melo. Marcos foi repórter da extinta Rádio Difusora Nazaré de Itabaiana (PB)

Recebo a notícia de que o vereador Ubiratan Correia, de Itabaiana, apresentou moção de aplausos ao comunicador Ernandes Rodrigues, proprietário da Difusora Canaã que comemora dez anos de atividades na “Rainha do Vale do Paraíba”. Ernandes é filho de Raminho, que por sua vez é o continuador do trabalho do pai na Difusora “A Voz de Itabaiana”. É uma dinastia de comunicadores.

O sistema de som chamado difusora consiste em um conjunto de cornetas ou caixas acústicas, espalhadas em setores estratégicos das zonas urbanas das pequenas cidades. A difusora faz parte há muito tempo da realidade comunicacional das pequenas localidades, por ser fácil de operar e exigir custos mínimos para sua manutenção. São chamadas “rádio poste” em algumas localidades, ou “rádio comunitária” quando ligadas a projetos mais consistentes de comunicação social, a cargo de associações ou igrejas.

A “Voz de Itabaiana” funciona há 51 anos, atualmente sob o comando de Severino Ramos Rodrigues, o Raminho. A difusora foi fundada pelo seu pai, João Cardoso Rodrigues, o popular João do Bode, ferroviário já falecido, que transmitiu o amor pela comunicação popular aos seus filhos e netos.

Mesmo inconscientemente, João do Bode ajudou a democratizar a comunicação como precursor do serviço de alto-falante em Itabaiana. As difusoras formam novos ouvintes e operadores e servem de veículo para as novidades que interessam à comunidade. O funcionário público Antonio Alves, mais conhecido como “Cabra Negra”, é um aficionado pela comunicação. Deu seus primeiros passos como locutor e repórter na Difusora “A Voz de Itabaiana”.

Raminho é repórter, gerente comercial, locutor, eletricista e empresário da difusora. Seu filho Ernandes Rodrigues herdou a vocação do pai e fundou, há dez anos, a Difusora Evangélica Canaã. “Na minha difusora só toco músicas orquestradas, hinos e canções internacionais”, faz questão de ressaltar. A Canaã tem sete cornetas e transmite até um programa jornalístico aos sábados.

Raminho conta que sua difusora já passou por vários episódios, nesse meio século de existência. Esse tipo de serviço de comunicação não tem, em geral, comprometimento com a formação do senso crítico dos indivíduos, mas a “Voz de Itabaiana” não passou incólume pelos tempos de chumbo da ditadura militar. Raminho lembra que, na década de 70, a difusora transmitia um programa chamado A HORA DA VERDADE, veiculando reclamações da população sobre falta d’água e outros problemas da comunidade. Em uma edição do programa, Raminho reclamou que a polícia não estava garantindo com eficiência a segurança da população, sendo por isso intimado pelo delegado a prestar depoimento por suposta “agitação social”. Raminho se valeu de um araque de polícia por nome Biu de Nequinho, que detinha algum prestígio nas hostes militares. “Passei o dia escondido na cozinha de Biu de Nequinho para não ser preso. Depois disso, nunca mais quis fazer noticiário na difusora”, conta ele.

Em outra ocasião, um grupo de galhofeiros, para intimidar o ingênuo locutor, redigiu uma carta falsa da Polícia Federal, ameaçando fechar a difusora e espinafrando seu proprietário, que era chamado no “ofício” de analfabeto, entre outros impropérios. O mais humilhante: o locutor era obrigado a ler a carta no ar, de meia em meia hora, para delírio dos rapazes, arquitetos da brincadeira. Antes da “comunicação oficial”, o locutor introduzia um dobrado, que era a característica musical daqueles tempos ditatoriais. Descoberta a trama, Raminho ameaçou delatar os falsários à verdadeira Polícia Federal por crime de falsidade ideológica, no que foi contido pela turma do “deixa disso”.

Na cidade paraibana de Bela Vista, a difusora “A Voz da Libertadora” recebeu a “visita” de militares que queriam saber a origem do nome, se tinha alguma coisa a ver com “atividades subversivas”. Ficou esclarecido que a difusora homenageava Nossa Senhora da Conceição, “a libertadora”. Isso era no tempo em que o Brasil virou um grande quartel esquizofrênico. Mas é outra história...