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domingo, 6 de dezembro de 2009

A voz de Itabaiana e outras vozes (II)


Nosso amigo e confrade itabaianense Benjamim envia mensagem eletrônica sobre minha última croniqueta que fala das difusoras de Itabaiana. Eis o que diz Benjamim: “Quanta saudade! Entre 1958 e 1963 morei na "rua da estação", aquele agrupamento de seis casas em cima da barreira em frente à estação ferroviária, ao lado do "cercado do major Nonato". Formação musical, informações, notícias do mundo, vinham das rádios do Recife e da difusora de João do Bode. Clássicos da cultura brasileira, pontuando Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Propaganda política: campanha de Jânio Quadros x Marechal Teixeira Lott. Campanha de governador, Pedro Gondim. E as gravações variadas. João do Bode, talvez com sua aparência de homem ingênuo, fez a cabeça, a iniciação cultural de muita gente na terra de Itabaiana. Na época, a difusora funcionava na sala da sua casa, na rua Santa Rita.
Grato, Fábio, por tanta emoção”.

Eu morei na Rua Dr. João Florêncio, perto da Rua de Santa Rita e da estação do trem. Na infância, brincava de rádio. No meu repertório, as músicas de Silvinho, Teixeirinha, Waldick Soriano e outros ícones da canção popular da época, tocados na difusora. Até o som internacional de The Beatles, Bob Dylan e Johnny Cash saía das cornetas da Voz de Itabaiana. A verdade é que a difusora, com a igreja, o cabaré de ponta de rua, a rua grande, o campinho de futebol, o bilhar e a fofoca são elementos que faziam uma cidadezinha do interior, no Brasil daqueles tempos. A cidade, com seus vícios e virtudes, ouvia-se na difusora.

Nesta seara, há que lembrar o nome de Ivo Severo, fotógrafo e amante do rádio. Seu sonho era botar uma rádio no ar. Seu espírito empreendedor criou a Difusora Nazaré, o mais organizado serviço de alto-falante de Itabaiana de todos os tempos. Funcionava como uma emissora de rádio, com departamento de jornalismo, discoteca atualizada e tudo o mais. Eu trabalhei nessa difusora como redator e programador, além de apresentador de um programa regional chamado “Páginas Nordestinas”. Meu compadre Marcos Veloso era repórter esportivo e locutor, com Walter Florêncio e Carlinhos Veloso. Outros que passaram pela Nazaré: Zé Careca, Irene Menezes, Arnaldo Barbalho e Deda Regis.

Não posso falar na Difusora Nazaré sem mencionar dois episódios vivenciados por mim naqueles tempos irresponsáveis. A Difusora mantinha um programa chamado Informativo Nazaré, de hora em hora, cujos redatores, eu e Marcos Veloso, colhiam notícias na Rádio Clube de Pernambuco e nos jornais de Recife que chegavam atrasados. Para produzir conteúdo, muitas vezes o programa veiculava algumas mentiras. Um dia, estando os redatores de plantão num bar da Rua do Carretel, chega o rapazinho “carregador de recado” em busca de matéria para o próximo informativo. Na mesa da pensão de Nevinha redigimos um comunicado informando que “cientista americano acaba de descobrir que o mundo vai acabar em dois dias, por causa de um cometa que iria colidir com a terra”. Quando a população ouviu a notícia pela voz grave e melodramática de Walter Florêncio, o popular Munganga, o mundo veio abaixo. Fiéis correram para a Igreja, descrentes foram tomar satisfações com Ivo Severo e Mário da Gelada foi parar no Hospital São Vicente de Paulo, com forte crise de hipertensão.

No carnaval de 1974, Ivo Severo finalmente botou no ar sua Rádio Difusora Nazaré, com um imenso transmissor de válvulas em amplitude modulada, construído por um sujeito doido e genial chamado Luiz. O espectro do sinal da rádio invadiu todo o dial, porque o transmissor não era dotado de nenhum filtro. Em todos os aparelhos receptores só pegava a Rádio Nazaré. A emissora foi a cem por cento de audiência, mesmo porque, dada a sua posição geográfica, Itabaiana só sintonizava as rádios Clube de Pernambuco e Jornal do Comércio naquela época. Meio dia, eu segurava a barra no microfone, em palanque armado no centro da cidade. Nenhum bloco à vista, Ivo Severo foi almoçar, recomendando que não entregasse o microfone a ninguém. Nisso chega Sivuca, irmão de Raminho do Bode, ele também locutor e doido pra falar na “ráida”. Expliquei que Ivo estava ouvindo e proibiu a intervenção de locutores estranhos à casa, ainda mais da concorrente “Voz de Itabaiana”. Tanto ele pediu que acabei passando o microfone para uma “canjinha” do locutor, ávido para falar numa rádio de verdade.

------ Aqui fala Sivuca diretamente da Avenida Presidente João Pessoa, em nome da aguardente Pitu, irradiando o melhor carnaval da Paraíba, pelas ondas potentes da Rádio Difusora Nazaré. Neste momento vem chegando um bloco de urso, e vem com toda porra!

Ao ouvir o palavrão, gravíssimo naquela época, Ivo Severo engasgou-se com a perna de galinha que comia na ocasião e saiu correndo, sem camisa. A saia-justa me rendeu afastamento temporário da função de locutor de rua.

FÁBIO MOZART