Escrito por: Helena Martins
Fonte: Jornal GGN
Fonte: Jornal GGN
Desde os
anos 1970, as rádios sem fins lucrativos se multiplicaram pelo Brasil, seja
como comunitárias, quando têm autorização para funcionamento, ou livres, termo
que se refere àquelas que ocupam o espectro eletromagnético mesmo sem permissão
legal. Desde sempre, a preocupação foi falar para públicos específicos,
permitindo o debate e a discussão da cidadania.
Ainda
hoje, quando o rádio para alguns se tornou coisa do passado, usar o transmissor
para se comunicar é única opção para muitos grupos sociais. Para eles, é
preciso valorizar a comunicação comunitária, garantindo espaço e meios para que
esses veículos possam multiplicar as vozes que circulam na mídia e produzir um
conteúdo que, muitas vezes, não entra na agenda dos meios comerciais.
A batalha
para manter os veículos de comunicação em atividade, entretanto, é dura. As
organizações apontam que as rádios e os comunicadores têm sido criminalizados.
Grupos que reúnem ativistas ou veículos de comunicação comunitária, como a
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), apontam
dificuldades para a obtenção da outorga e criticam as restrições impostas pela
Lei 9.612/98, que regulamenta o serviço. A lei proíbe veiculação de publicidade
e estabelece limite de potência de 25 watts e abrangência de 1 quilômetro para
a emissora comunitária.
Uma das
rádios livres mais antigas e em operação no país, a Rádio Muda, desde meados
dos anos 1980 funciona no interior da torre da caixa d'água da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). João Francisco*, que integra o coletivo que
produz a rádio, conta que o veículo nasceu com o objetivo de lutar pela
liberdade de expressão.
“É uma
batalha contra grandes conglomerados econômicos, que ganham muito dinheiro com
anúncios, mas também uma batalha de cunho estético-político, de fazer com que
as pessoas possam se expressar livremente”, afirma
A Rádio
Muda é um exemplo de criminalização. Segundo João Francisco, já houve várias
tentativas de fechar a rádio ou lacrar equipamentos. Atualmente, parte das
pessoas envolvidas na produção do veículo responde a dois processos judiciais,
um na área criminal e outro na cível. O comunicador reclama da situação, pois
considera que a rádio não causa interferências.
“É uma
rádio de baixa potência, não há dano. A gente sempre buscou transmitir em uma
frequência que não era usada por outro rádio. Isso é, a gente ocupava o espaço
que estava vazio no espectro e a gente fazia a nossa transmissão”, disse.
Segundo a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), os registros de processos dos últimos
cinco anos mostram que 30 entidades autorizadas como rádio comunitária foram
penalizadas devido à potência e 198 devido ao uso não autorizado de
radiofrequência.
O número
pode ser maior, se consideradas as livres, mas não há dados sistematizados que
apontem quantas emissoras foram fechadas ou o total de equipamentos
apreendidos. Também não há informação exata sobre o número de integrantes das
associações responsáveis por esses veículos que acabou sendo processado por
comunicar.
Segundo a
organização Artigo 19, essa criminalização ocorre porque existem legislações
que preveem sanções criminais para o exercício da radiodifusão. A organização
também avalia que a situação decorre da política de fiscalização, que reprime a
atividade, e do entendimento judicial de que contra ela devem ser aplicadas
sanções criminais e não administrativas.
“A
criminalização da rádio comunitária acaba acontecendo porque o juiz considera
que, na possibilidade eventual de causar algum dano a outros meios, é
justificável atribuir uma pena criminal a esse comunicador”, avalia a advogada
da organização, Karina Ferreira.
Na opinião
de Karina, as leis que tratam do tema, como o Código Brasileiro de
Telecomunicações, de 1962, estão defasadas e não se referem diretamente à
prática da rádio comunitária, mas sim ao exercício clandestino da prática de
telecomunicações. Por isso, na opinião dela, essas leis não deveriam ser
tomadas como base de um processo penal contra as emissoras.