Escrito por: Jonas Valente
Fonte: Intervozes/Carta Capital
Fonte: Intervozes/Carta Capital
No dia 17
de dezembro de 2009, encerrava-se às 19h a 1ª Conferência Nacional de
Comunicação. O processo, formado por etapas municipais, estaduais e nacional,
movimentou, pelas estimativas da organização, mais de 30 mil pessoas para
discutir os desafios da área e apresentar recomendações ao poder público de
quais políticas deveriam ser implementadas para o setor.
Após um
processo polêmico e imerso em disputas, mais de 600 propostas foram aprovadas
pelos cerca de 1.500 delegados presentes à etapa nacional. Entre elas, diversas
recomendações avançadas, como:
- Afirmação
da comunicação como um direito humano;
-
Regulamentação do Artigo 221 da Constituição, que dá preferência a finalidades
artísticas, informativas, educativas e culturais na programação do rádio e na
TV, bem como aponta a necessidade de promoção dos conteúdos regionais e
independentes;
-
Regulamentação do inciso do Artigo 220 da Constituição, que proíbe as práticas
de monopólio e oligopólio nas comunicações;
- Criação
de um Conselho Nacional de Comunicação e de órgãos congêneres nos estados para
elaborar e acompanhar a promoção de políticas de comunicação com funcionamento
efetivo, diferentemente do Conselho de Comunicação Social, órgão apenas
assessor do Congresso Nacional;
- Mais
transparência na concessão de outorgas, proibição da sublocação da grade de
programação e do controle de emissoras por parlamentares e seus familiares;
-
Observância na concessão de outorgas da necessidade de promover a diversidade,
dando preferência aos que ainda não possuem meios de comunicação;
-
Afirmação do acesso à Internet como direito, garantia de sua universalização e
prestação do serviço em regime público;
- Divisão
do espectro de radiofrequências destinando 40% para canais do sistema privado,
40% para o sistema público e 20% para o sistema estatal;
- Criação
do Operador Nacional de Rede Digital Pública, a ser gerido pela EBC, com a
função de propiciar as plataformas comuns de operação para todas as emissoras
públicas de televisão;
- Garantir
na TV digital aberta os canais legislativos, comunitários, universitários e do Poder
Executivo, com condições técnicas para que atinjam todos os municípios do País;
-
Implantação de um fundo nacional e de fundos estaduais de comunicação pública,
com receitas advindas do orçamento geral da União, taxação da publicidade
veiculada nos canais comerciais, pagamento pelo uso do espectro, recursos da
taxa de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), taxação de aparelhos de
rádio e TV e doações;
-
Obrigatoriedade da criação de conselhos curadores nos canais públicos, formados
por maioria da sociedade civil e com acolhimento obrigatório de suas
recomendações pelos gestores das emissoras.
O caminho
para chegar a essas resoluções, no dia 17 de dezembro, entretanto, não foi
fácil.
De
2009 a 2014: a inconclusa agenda do marco regulatório
Ao fim,
apesar da metodologia desenhada para garantir segurança aos empresários, a
realização da Conferência foi um marco fundamental da história das políticas de
comunicação no Brasil, tanto pelas recomendações avançadas quanto por ter
quebrado o tabu do tema nunca ter sido alvo de um processo de debates com tal
amplitude de participação.
A Confecom
foi uma novidade histórica, que mostrou ser possível elaborar soluções aos
problemas do setor fora das reuniões de gabinetes e dos eventos das associações
empresariais. No entanto, se o balanço de sua realização é positivo, o da
implementação de suas resoluções é desanimador. Entre as mais de 600 propostas
aprovadas nos grupos de trabalho e na plenária final, praticamente nenhuma
ganhou consequência por parte do governo federal. Talvez a mais importante
delas, a atualização do marco regulatório das comunicações, teve um ensaio com
o grupo de trabalho montado sob o comando do então ministro da Secretaria de
Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins. No entanto, com a
entrada de Dilma Rousseff na Presidência da República e de Paulo Bernardo no
Ministério das Comunicações, o resultado do GT foi engavetado.
Após
inúmeras cobranças junto ao governo para que o trabalho do grupo se
transformasse em um projeto de lei discutido publicamente, organizações da
sociedade civil optaram detalhar sua plataforma. As mais de 600 propostas da
Conferência foram analisadas e 70 foram
elencadas como prioritárias. Tomando como base esse universo, os
movimentos sociais elaboraram, em 2011, uma
plataforma com 20 pontos para a democratização das comunicações no país.
Dando
sequência à luta por um novo marco regulatório das comunicações, foi criada, em
2012, a campanha “Para Expressar a Liberdade”, comandada pelo
renovado Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações. A partir da
plataforma, e como eixo principal da nova campanha, o FNDC coordenou a elaboração
de um projeto de lei de inciativa popular, batizado de Lei da Mídia Democrática.
O esboço
inicial, discutido em plenárias da campanha Para Expressar a Liberdade e do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, recebeu emendas e sugestões
de diversos movimentos sociais. Ao fim, o texto representou uma mediação entre
diversos pontos de vista. Mas ele apresenta um programa claro para a
democratização do setor no país, alicerçado na regulamentação da Constituição e
inspirado em regras e modelos adotados em outros países, de governos mais
progressistas na América Latina a regimes liberais na América do Norte e na
Europa.
Lançado em
2013, o projeto de lei de iniciativa popular recebe agora assinaturas da
população para ser apresentado ao Congresso Nacional – são necessárias mais de
1,4 milhão – e conta com o apoio dos mais variados segmentos da sociedade
civil. Junto à divulgação da Lei da Mídia Democrática, movimentos sociais de
várias áreas acabaram incorporando a pauta da comunicação como algo central em
suas lutas. Nas manifestações de junho de 2013, por exemplo, o tema foi uma das
bandeiras das ruas.
Ao longo
do processo eleitoral deste ano, a problemática do oligopólio das comunicações
também voltou à tona. A novidade, desta vez, foram os anúncios, por parte da
candidata e depois reeleita Presidenta Dilma Rousseff, de que pretende realizar
uma “regulação econômica dos meios”. O debate, no entanto, como Dilma já
afirmou, será feito “com calma”.
A
realidade é que as sinalizações difusas e contraditórias sobre a agenda da
regulação democrática da mídia são marcas da era Lula-Dilma, desde 2003. Mas a
Conferência Nacional de Comunicação é um marco a ser considerado nesta
história. As mais de 30 mil pessoas envolvidas no processo em todo o Brasil e
as mais de 600 propostas aprovadas são um manifesto inequívoco da relevância e
urgência desta pauta. Diferentemente de tempos atrás, quando as forças
conservadoras insistiam em bloquear a discussão usando a cortina de fumaça da
censura, agora a Lei da Mídia Democrática aparece como formulação concreta de
um anteprojeto de lei para debate na sociedade.
Nesta
semana, lembrar os cinco anos de realização da Confecom é afirmar que esse
legado não pode ser perdido. Ele deve ser a referência para reorganizar este
setor para fortalecer a democracia brasileira.
*
Jonas Valente é jornalista, mestre em Políticas de Comunicação pela
Universidade de Brasília e integrante da coordenação do Intervozes.