O
Ministério Público Federal de São Paulo entrou com ações contra o grupo de TV
CNT, o Canal 21 do grupo Bandeirantes e a Rádio Vida FM por arrendamento ilegal
de sua programação para igrejas.
A história
é muito simples: uma empresa participa de uma licitação pública para explorar
comercialmente um canal de TV (ou de rádio) e oferecer programação de conteúdos
para a população. Para isso, existem pelo menos duas regras para se explorar
comercialmente esse espaço público na TV e no rádio.
A primeira
regra diz que a empresa vencedora da licitação tem que se responsabilizar pela
programação de conteúdo, prestando o serviço diretamente, sem terceirizar a
função principal do contrato. A segunda determina que a empresa vencedora da
licitação pode vender no máximo 25% da sua programação a terceiros para obter
retorno financeiro durante a vigência do mesmo contrato.
No
entanto, não é exatamente isso que acontece no Brasil. Apesar do regramento, a
empresa que ganha a licitação muitas vezes vende o canal para uma igreja que
não participou da concorrência. Você pode até se perguntar: e o Governo não
fiscaliza? Deveria! Mas, segundo o ministro Paulo Bernardo, titular da
pasta das Comunicações, o debate “é delicado”. “Envolve uma série de interesses
das televisões em ter receita, das igrejas em fazer a sua pregação, de
conquistar o seu público”, disse em recente entrevista ao grupo Folha.
Para Bernardo,
do ponto de vista formal, não existe legislação sobre isso. “Tem um pessoal do
Ministério Público Federal lá em São Paulo que está dizendo o seguinte, que vai
processar o Ministério das Comunicações por omissão. Omissão em que? Você não
faz uma lei, não tem uma legalidade instituindo se isso é correto ou incorreto
e eu sou omisso em que? Por que se tiver proibição, então omisso está sendo o
Ministério Público que deveria tomar uma providência e entrar com ação contra.
Por que não entrou? Porque não tem base legal para isso. Então é o seguinte, eu
não quero entrar nesse debate”, complementou.
Certamente
o ministro Bernardo conhece o art. 124 Código Brasileiro de Telecomunicações
(Lei nº 4.117/62) e o art. 28, §12, “d”, do Decreto Presidencial nº 52.795/63.
A legislação determina que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá
exceder 25% da programação. O ministro também sabe que nenhuma transferência,
direta ou indireta, de concessão pode ser feita sem a sua assinatura pessoal,
pois é isso que está definido nos artigos 90 e 94 do mesmo decreto.
Parece
óbvia a omissão do Ministério das Comunicações, responsável por estes
regramentos. A existência de leis e regulamentos sobre o assunto
contradizem as justificativas dadas pelo ministro Paulo Bernardo. Em virtude
disto, o Ministério Público Federal de São Paulo entrou com três ações contra
arrendamentos ilegais. Foram acionados na Justiça o grupo de TV CNT e o Canal
21 do grupo Bandeirantes pelo arrendamento ilegal de 22 horas diárias das suas
programações para a Igreja Universal do Reino de Deus.
A Rádio
Vida FM também responderá na Justiça por arrendar toda a sua programação para a
Comunidade Cristã Paz e Vida. Nos três processos, o Governo Federal responde
por se omitir a cumprir suas obrigações.
As ações
pedem que os serviços de radiodifusão dos três canais sejam suspensos
imediatamente. Solicitam, ainda, o impedimento temporário das empresas e
instituições religiosas citadas e de seus representantes legais de participar
em concorrências públicas, além do congelamento dos de seus bens. Também deve
ser paga à União uma série de indenizações por dano moral difuso. A Igreja
Universal e CNT devem pagar aos cofres públicos R$ 280 milhões; o grupo
Bandeirante e a Igreja Universal, outros R$ 420 milhões; e a Rádio Vida FM e
Comunidade Cristã Paz e Vida, mais R$ 20,8 milhões.
É
importante frisar a atuação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à
Comunicação (Findac), grupo ligado ao Ministério Público Federal de São Paulo,
cujo trabalho resultou nas ações civis públicas aqui citadas. O Findac conta
com a participação de organizações da sociedade civil como o Intervozes, Artigo
19 e Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
A
presidenta Dilma Rousseff ventilou a possibilidade de debater uma agenda de
regulação econômica para o mercado de comunicação brasileiro, o que faria
avançar de forma significativa o processo de democratização da comunicação no
país. Essa sinalização é importante, mas é preciso que as fiscalizações
básicas sejam cumpridas pelo Ministério das Comunicações. Para isto, não
precisa mais que o simples respeito ao interesse público.
Texto de Pedro
Ekman, integrante da coordenação do Intervozes.