quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Rádio comunitária num ambiente digitalizado


Por Nils Brock


É verdade, ninguém sabe como vai ser ouvir rádio em 50 anos. Mas isso não deveria impedir as rádios comunitárias e públicas de experimentar novos padrões digitais para assegurar a sua futura existência nas ondas. Esperar e confiar que primeiro os legisladores escolham as melhores opções tecnológicas para a cidadania e somente depois buscar defender os interesses da radiodifusão não-comercial é ingênuo e perigoso, tanto no Brasil como no mundo. Isso pode resultar, assim como nos Estados Unidos,  na implementação de um padrão tecnológico como o HD Radio, que além de muitas promessas não demonstrou ainda que realmente permite a sobrevivência de rádios comunitárias num ambiente digitalizado. E mudar um padrão, que uma vez introduzido, é difícil e caro.

Na Europa a situação é complicada também. Durante muito tempo as grandes redes de rádios públicas defenderam um padrão muito antigo chamado DAB, que se apoia numa arquitetura tecnológica muito centralizada e muito cara sempre que não tem um uso massivo do equipamento de transmissão compartilhado. E como o interesse na transmissão e recepção do rádio digital tem sido relativamente baixo até agora, rádios comunitárias não podem sustentar economicamente transmissões digitais, mesmo que tenham interesses e ideias inovadoras. Também as rádios públicas não conseguiram formar um grande público com o sistema DAB até agora, o que faz a continuação dessas programações cada vez mais difícil de legitimar. A crise financeira europeia ainda não acabou, as políticas de austeridade vão persistir por um bom tempo ainda. Não é o momento para justificar gastos em uma tecnologia que data da época da Guerra Fria e que, mesmo com a sua versão mais atual (DAB+), demonstra que os grandes orçamentos necessários atualmente criarão benefícios e uma ampla aceitação por parte dos ouvintes algum dia.
Porém não é a digitalização do rádio que é ruim, mas os sistemas que criam altos custos desde seu início e dessa forma dificultam a sua ampla experimentação e apropriação. Aparentemente é essa a leitura que está fazendo também a União Europeia de Radiodifusão (EBU) que depois de décadas de um fiel apoio ao mencionado sistema DAB publicou em Janeiro de 2013 os resultados de estudos de casos e experimentos com outro padrão, segundo a EBU “capaz de uma cobertura excelente”. Trata-se de Radio Digital Mondiale Plus (DRM+) que também é um dos dois padrões discutidos para ser implementado no Brasil. O empenho da EBU, que reúne como membros de 74 redes de rádios públicas em 56 países e outros 35 membros em 22 países associados, sem dúvida reforçará o uso e apoio do DRM+.

Qual é a relevância dessa recente publicação da EBU para as rádios públicas e comunitárias no Brasil? Primeiro, uma leitura do relatório gera dúvidas sobre os resultados dos testes feitos pelo Ministério das Comunicações com HD Radio e DRM que, segundo o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica Genildo Lins, “foram ruins, especialmente na FM de alta potência” no caso dos dois padrões. Bem ao contrário, os estudos da EBU do DRM+ em três países, em ambientes rurais e urbanos, de alta e baixa potência demonstram uma qualidade mais “robusta” e “superior” (qualidade de som) que o padrão atual analógico (FM). Então, pode se perguntar por que Lins disse que “o rádio digital é o futuro do rádio, mas esse futuro ainda não chegou” e ao mesmo tempo não se realizam estudos com a última geração DRM, o DRM+ (que causou tão bons resultados na Europa) no Brasil também?

Isso leva a um segundo ponto importante, a postura das rádios comunitárias. Na Europa, o Fórum Europeu de Mídia Comunitária (CMFE), com a apoio da Amarc Europa, incentiva experimentações com DRM+ para avaliar o possível uso para rádios comunitárias. Na Suécia e na França os estudos vão começar nesse ano. Poderia ser um contato interessante também para esse tipo de emissoras no Brasil, tanto para trocar ideias e dúvidas, mas talvez também para planejar os próprios testes aqui no Brasil. Porque o futuro não chega, o futuro não se espera, o futuro se faz. 

Na Europa, onde os governos nacionais e a própria União Europeia se demonstram versáteis sobre o tema do rádio digital, ao invés da EBU e o CMFE que desenham alternativas reais para fazer e ouvir rádio. No Brasil existe um Conselho Consultivo da Rádio Digital (CCRD) que atribuirá sugestões sobre o futuro padrão do rádio digital, mas que carece de “transparência e mecanismos de participação nas discussões”, como critica o seu membro e Representante Nacional da Amarc Brasil, Arthur William.

Não faltam experiências práticas que poderiam complementar os testes feitos pelo próprio Governo. Sobretudo o grupo DRM Brasil realizou numerosos testes e está trabalhando em propostas que levam em conta as necessidades de rádios comunitárias e públicas. Eles poderiam ajudar a esclarecer as “lacunas” no debate do CCRD que menciona William no seu texto “Rádio Digital: padrão será escolhido no Brasil em 2013?”. Porque ao contrário do surgimento das rádios livres e comunitárias nas últimas décadas do século 20 se apropriando de um padrão tecnológico estabelecido (o sistema FM), hoje é necessária uma ampla participação de radialistas, ouvintes, acadêmicos, amadores, produtores – enfim, cidadãos – no debate de um padrão sócio-técnico da radiodifusão digital. Definir como vai ser usada boa parte de um bem público, porque isso é que são as ondas eletromagnéticas, é um ponto crucial para o futuro do rádio e o direito à comunicação. Porque o futuro se faz agora.