Por João Paulo Malerba em 17/09/2012 na edição 712 do
Observatório da Imprensa
Seja qual for o enfoque a ser levado em conta – pioneirismo
histórico, proporção numérica, incidência política, representatividade social –
as rádios comunitárias latino-americanas [temos ciência de que o objeto desse
estudo seria melhor explorado se seu recorte fosse a América Latina. A exclusão
do México e da América Central deveu-se à limitação de fôlego e espaço do
presente estudo], quando comparadas aos seus pares no mundo, destacam-se. Tendo
como precursoras as primeiras experiências de utilização cidadã, pedagógica e,
quase sempre, também evangelizadora do veículo rádio dos anos 1940, essas
emissoras, ao longo do processo histórico, foram desenvolvendo um perfil
político e se organizando coletivamente – local, nacional ou regionalmente –
para dar conta dos desafios resultantes tanto da realidade social de seu
entorno local quanto das ameaças à sua própria sobrevivência. Dentre tais, o
vazio legal foi, por muito tempo, o desafio que imprimiu a tônica de sua luta,
o leitmotiv de seu movimento político organizado. Se, num primeiro
momento, as reivindicações eram em torno da ausência de reconhecimento legal,
atualmente elas têm como alvo as próprias limitações das leis que, enfim,
conquistadas, agora impedem o pleno desenvolvimento de tais emissoras e o livre
exercício do deu seu direito de livre expressão e comunicação.
Metodologia e aspectos legais considerados
Para obtenção dos dados apresentados no quadro comparativo e
na análise que seguem, foi realizada uma revisão bibliográfica de livros,
cartilhas e catálogos que avaliam os aspectos legais da comunicação, a situação
da liberdade de expressão e o grau de efetivação do direito humano à
comunicação na América do Sul e no restante do mundo. Empreendemos, é claro,
além disso, um estudo dos marcos legais específicos para radiodifusão
comunitária de cada um dos países da região. Também foram pesquisadas notícias
sobre legislação em comunicação, relatórios e estudos de caso sobre a situação
legal das rádios comunitárias nos países sul-americanos [aqui cabe ressaltar a
importância para o presente estudo da página da internet do Programa de
Legislaciones da Associação Mundial de Rádios Comunitárias - Amarc América
Latina e Caribe, que organiza notícias, marcos legais e estudos avaliativos da
maior parte dos países da América Latina].
Vale apontar aqui uma das dificuldades encontradas para a
ratificação dos referidos dados e realização do diagnóstico, justamente a atual
dinâmica de alteração legal no que tange à comunicação. Tendo em vista que a
América do Sul se encontra num momento singular em que diversos países têm
revisado seus marcos regulatório de comunicação foi necessária uma atenção
especial às mudanças legais recentes em telecomunicação e radiodifusão e que
acabam por afetar a situação específica da radiodifusão comunitária. Apenas
como título de exemplo, cabe apontar o caso boliviano. Em 8 de agosto de 2011,
foi sancionada a Ley General de Telecomunicaciones, Tecnologías de Información
y Comunicación, que, entre diversas medidas, em seu artigo 10º, estabelece uma
reserva de espectro para os diferentes setores sociais prestadores do serviço
de comunicação, a saber: até trinta e três por cento para o Estado; outros
trinta e três por cento para o setor comercial; dividindo o restante para o
social comunitário – até dezessete por cento – e os povos indígenas originários
campesinos, comunidades interculturais e afrobolivianas – até o dezessete por
cento. O ineditismo de tal peculiaridade na divisão da reserva de espectro
aparece como resposta à própria plurietnicidade e pluriculturalidade da
população boliviana. Ora, isso afeta sobremaneira, por exemplo, o até então
estado de ocupação da radiodifusão sonora no país: a partir de dados de 2008,
num universo de 1.027 emissoras AM e FM, 81% do espectro se encontrava sob
competência do setor “privado comercial”, 4% para as “comunitárias” e outros
15% para aquelas abrangidas pelo “Artigo 41”, ou seja, meios oficiais –
segurança e defesa nacional – e de caráter social relacionadas com educação e
saúde ALVIS, VILLANUEVA e ULO, 2009) [para uma breve apresentação sobre a gênese
das rádios comunitárias brasileiras ver “Rádios comunitárias: ampliando o poder
de ação” (MALERBA, 2006)].
Dentre uma miríade de aspectos normativos passíveis de serem
considerados nas legislações em radiodifusão comunitária, fez-se necessário um
recorte tendo em vista tanto a limitação do presente texto quanto o foco de
análise pretendido. Nosso objetivo principal aqui é contribuir para a avaliação
da adequação da legislação em radiodifusão comunitária de cada um dos países da
região quando comparada aos padrões internacionais e interamericanos de boas
práticas legais para garantia da pluralidade, democracia e diversidade na
comunicação. Com isso elencamos cinco itens que consideramos essenciais para o
alcance de tal objetivo, a saber:
Definição legal:
apresentaremos a definição de radiodifusão comunitária para cada um dos marcos
legais dos países analisados;
Acesso ao espectro:
investigaremos, nesse item, como se dá o acesso ao espectro eletromagnético,
principalmente se há algum regime de reserva de canais para os meios
comunitários e em qual(is) banda(s) de transmissão (AM, FM, Ondas Curtas etc.)
está(ão) franqueada(s) sua utilização;
Potência e /ou alcance de transmissão: serão considerados aqui se há algum – e qual – limite de
potência para as rádios comunitárias, além de restrições referentes ao alcance
e/ou área de atuação;
Prazo de outorga:
apresentaremos o período estipulado de validade da licença da emissora
comunitária para utilização do espectro eletromagnético;
Sustentabilidade econômica:
analisaremos quais mecanismos de sustentabilidade econômica as rádios
comunitárias estão autorizadas a explorar, com atenção às nuances de definição
(“apoio cultural”, “menções comerciais” etc.) e em comparação com a
radiodifusão sonora comercial e/ou privada.
A escolha dos itens acima também se deve ao fato de serem
esses os principais alvos de controvérsia e disputa entre os setores sociais
quando da aprovação, alteração ou reivindicação de mudanças nos marcos legais
de radiodifusão comunitária. Acreditamos que tais itens são essenciais para o
início de qualquer avaliação de marcos regulatórios no que se refere ao acesso
equitativo, plural e democrático das comunidades às ondas eletromagnéticas.
Quanto à apresentação dos dados na tabela, meramente por
questões de espaço, decidiu-se por reduzir ao mínimo necessário de informação,
mas mantendo a literalidade do texto legal, com tradução nossa [as leis dos
países de língua hispânica foram livremente traduzidas, somente para facilitar
o leitor de língua portuguesa], de modo a servir como referência para o
entendimento do diagnóstico que segue à tabela. De qualquer forma, as
referências bibliográficas oferecem links para os endereços na internet, em que
as leis podem ser acessadas na íntegra.
Limitações da pesquisa
Para explicitarmos com veracidade o alcance da pesquisa,
faz-se necessário assinalar alguns de seus limites – o que pode acabar por
apontar possibilidades de investigação posteriores. Uma das limitações
vislumbradas se refere a outros elementos relevantes que poderiam ser
analisados acerca da normativa para a radiodifusão comunitária nos países, aqui
ausentes por questão de espaço e fôlego. Um importante elemento aqui ausente se
refere aos procedimentos de outorga adotados pela legislação. O próprio caso
brasileiro é paradigmático nesse sentido por oferecer uma série de exigências
burocráticas para obtenção da outorga de radiodifusão comunitária, que acaba
por excluir boa parte das comunidades requerentes do acesso ao espectro. Um
estudo realizado com todos os processos de outorga de radiodifusão comunitária
que estiveram em tramitação no Ministério das Comunicações entre 1998 (ano da
promulgação da lei brasileira de radiodifusão comunitária) e maio de 2004,
concluiu que a aplicação da legislação de radiodifusão comunitária deixou
explícito que uma estratégia de exclusão estava sendo posta em prática e não
uma política de inclusão. O processo de outorga criado pela legislação é
demasiadamente burocrático, com uma infinidade de exigências que tornam sua
tramitação lenta, complicada e, por consequência, gera um alto índice de
arquivamento. Para cada processo autorizado, 2,23 são arquivados. (LIMA e
LOPES, 2007, p. 17)
Outro elemento destacável seria a avaliação de tratamentos
discriminatórios às rádios comunitárias quando comparadas as suas pares
comerciais. Mais uma vez o caso brasileiro é um exemplar negativo. O artigo 25
do Decreto nº 2.615 que regulamenta a radiodifusão comunitária no país
estabelece que “a emissora do RadCom operará sem direito a proteção contra
virtuais preferências causadas por Estações de Serviços de Telecomunicações e
de Radiodifusão regularmente instalados”, evidenciando um claro tratamento
desigual.
Uma outra limitação do presente estudo se refere aos
entraves extratextuais de procedimentos legais que podem inviabilizar a outorga
para rádios comunitárias: em muitos casos, mesmo com a vigência da lei, sua
aplicação não acontece. No texto Regulación de las concesiones de
radiodifusión en América Latina, Gustavo Gómez e Carolina Aguerre apresentam
dois exemplos: Peru e Colômbia. No caso peruano, mesmo com a aprovação em julho
de 2004 da Ley de Radio y TV, que reconhecia a existência de emissoras
comunitárias, as primeiras concessões só foram acontecer em 2009 [de acordo com
PATIÑO, 2009. Ver http://legislaciones.item.org.uy/index?q=node/918
(acesso em 3/8/2012)]. De acordo com os autores, “não se trata de um problema
do texto legal, mas de uma prática administrativa abusiva, neste caso por
razões de ‘falta de planificação do espectro’ (tradução nossa)” (GÓMEZ e
AGUERRE, 2009, p. 30). Algo parecido ocorreu na Colômbia que, apesar de um
marco avançado para o setor, ficou doze anos sem abertura de chamadas de
concessões de rádios comunitárias nas principais cidades do país, por conta de
uma aplicação arbitrária de sua normativa (idem). Tais exemplos evidenciam a
insuficiência de nos mantermos nos textos legais para avaliar a real efetivação
do direito das comunidades em exercer seu direito à comunicação.
Quadro comparativo
País
|
Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
|
Sustentabilidade
|
Argentina
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“Emissoras comunitárias: atores privados que tem uma
finalidade social e se caracterizam por serem geridas por organizações
sociais de diversos tipos sem fins de lucro. Sua característica fundamental é
a participação da comunidade tanto na propriedade do meio, como na
programação, administração, operação, financiamento e avaliação. Tratam-se de
meios independentes e não governamentais.” (LSCA 26522/2009, art. 4)
|
Reserva de “trinta e três por cento (33%) das localidades
radioelétricas planificadas, em todas as bandas de radiodifusão sonora e de
televisão terrestres, em todas as áreas de cobertura para entidades sem fim
de lucro” (LSCA 26522/2009, art. 89, inciso f)
|
“Em nenhum caso se entenderá como um serviço de cobertura
geográfica restrita.” (LSCA 26522/2009, art. 4)
|
“Duração da licença. As licenças serão concedidas por um
período de dez (10) anos a contar desde a data da resolução da Autoridade
Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual que autoriza o início das
emissões regulares.” (LSCA 26522/2009, art. 39)
|
“Emissão de publicidade. Os licenciatários ou autorizados
dos serviços de comunicação audiovisual poderão emitir publicidade conforme
às seguintes previsões...” “O tempo de emissão de publicidade fica sujeito às
seguintes condições: a) Radiodifusão sonora: até um máximo de quatorze (14)
minutos por hora de emissão” (LSCA 26522/2009, arts. 81 e 82)
|
Bolívia
|
“I. A radiodifusão comunitária opera sem fins de lucro e
tem como objetivos o serviço social, a educação, a saúde, o bem-estar
integral e o desenvolvimento produtivo, atendendo as necessidades
fundamentais da comunidade. II. Sua finalidade é contribuir a melhoria das
condições de vida das pessoas dentro de seu âmbito de cobertura, promovendo a
construção da cidadania a partir do fortalecimento dos valores e seu caráter
democrático, participativo e plural.” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo
30)
|
“A distribuição do total de canais da banda de frequências
para o serviço de radiodifusão em frequência modulada e televisão analógica
em nível nacional onde exista disponibilidade, será sujeita ao seguinte: 1.
Estado, até trinta e três por cento. 2. Comercial, até trinta e três por
cento. 3. Social comunitário, até o dezessete por cento. 4. Povos indígenas
originários campesinos, e comunidades interculturais e afro bolivianas até o
dezessete por cento.” (Lei 164/2011, artigo 10)
|
“I. A zona de cobertura para a radiodifusão comunitária
não poderá ser menor que a área geográfica da localidade rural na que se
preste o serviço, nem poderá ser maior a área geográfica da seção municipal
respectiva.” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 35)
|
“II. A vigência das licenças de radiodifusão será de
quinze anos, podendo ser renovadas somente uma vez por igual período, sempre
que seu titular tenha cumprido com as disposições previstas nesta Lei, em
seus regulamentos e na licença respectiva.” (Lei 164/2011, artigo 29)
|
“Aqueles que obtenham licenças para radiodifusão
comunitária, serão responsáveis de suas sustentabilidade técnica, econômica e
social, levando em conta seu caráter não lucrativo. Os recursos obtidos pela
prestação do serviço de radiodifusão comunitária deverão ser destinados a
garantir o funcionamento e manutenção das instalações e da continuidade do
serviço oferecido” (Decreto Supremo Nº 29174/2007, artigo 33)
|
Brasil
|
“Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a
radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e
cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem
fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço. § 2º
Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de determinada
comunidade de um bairro e/ou vila.” (Lei 9612/1998, art. 1)
|
“O Poder Concedente designará, em nível nacional, para
utilização do Serviço de Radiodifusão Comunitária, um único e específico
canal na faixa de frequência do serviço de radiodifusão sonora em frequência
modulada.” (Lei 9.612/1998, art. 5)
|
“§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de
radiodifusão prestado a comunidade, com potência limitada a um máximo de 25
watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros. (Lei 9.612/1998,
art. 1) “ A cobertura restrita de uma emissora de RadCom é a área limitada
por um raio igual ou inferior a mil metros, a partir da antena transmissora,
destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro, uma vila ou
localidade de pequeno porte.” (Decreto 2.615/1998, art. 6)
|
“Parágrafo único. A outorga terá validade de dez anos,
permitida a renovação por igual período, se cumpridas as exigências desta Lei
e demais disposições legais vigentes.” “ (Lei 10597/2002)
|
“As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio sob a
forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que
restrito aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida.”
(Decreto 2.615/1998, art. 32)
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País
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Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
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Sustentabilidade
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Chile
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“Criam-se os Serviços Comunitários e Cidadãos de
Radiodifusão de Livre Recepção (...) Estes terão como zona de serviço máxima
uma comunidade [comuna] ou uma agrupação de comunidades [comunas], conforme o
âmbito de ação comunitária da entidade concessionária.” (Lei 20.433/2010,
art.1)
|
“As concessões dos Serviços serão outorgadas dentro de um
segmento especial do espectro radioelétrico na banda de frequência modulada,
tanto para a operação analógica como digital, que se estenderá entre as
seguintes frequências, todas inclusive: (...) [lista faixa de frequências
determinadas para cada região do país, no melhor dos casos de 105.9 a 107.9,
cerca de 5% do dial]” (Lei 20.433/2010, art. 3)
|
“Os Serviços estarão conformados por uma estação de
radiodifusão cuja potência radial mínima será de 1 watt e máxima de 25 watts
(...) Excepcionalmente, (...) tratando-se de localidades fronteiriças ou
remotas, com população dispersa ou com alto índice de ruralidade, a potência
radiada poderá ser de até 40 watts. (...) No caso de que se busque
potencializar as identidades culturais dos povos indígenas e de suas línguas
originárias o limite máximo de potência radiada será de até 30 watts. “(Lei
20.433/2010, art.4)
|
“O prazo das concessões será de dez anos, e a
concessionária gozará de direito preferente para sua renovação, sujeito ao
cumprimento dos fins comunitários que originaram a concessão.” (Lei
20.433/2010, art. 11)
|
“(...) As organizações concessionárias de Serviços poderão
difundir menções comerciais ou de serviços que se encontrem em sua zona de
serviço, para financiar as necessidades próprias da radiodifusão, podendo
inclusive celebrar convênios de difusão cultural, comunitária, desportiva ou
de interesse público em geral. Entendem-se por menções comerciais a saudação
ou agradecimento a uma entidade, empresa, estabelecimento ou local comercial,
indicando unicamente seu nome e endereço.” (Lei 20.433/2010, art. 13)
|
Colômbia
|
[Define-se a partir da orientação da programação] “c.
Radiodifusão sonora comunitária. Quando a programação está orientada a gerar
espaços de expressão, informação, educação, comunicação, promoção cultural,
formação, debate e consulta que conduzam ao encontro entre as diferentes identidades
sociais e expressões culturais da comunidade, dentro de um âmbito de
integração e solidariedade cidadã e, em especial, a promoção da democracia, a
participação e os direitos fundamentais dos colombianos que assegurem uma
convivência pacífica.” (Decreto 2805/2008, art. 18)
|
“Este serviço será prestado nos canais definidos para
estações classe D no Plano Técnico Nacional de Radiodifusão Sonora, em
Frequência Modulada (FM), tendo em conta a topografia, a extensão do
município e a distribuição da população urbana e rural, dentro do mesmo.”
(Decreto 2805/2008, art.78)
|
“De cobertura local restrita: São estações classe D.
Aquela destinada a cobrir com parâmetros restritos áreas urbanas e/ou rurais,
ou específicas dentro de um município ou distrito, (...).” (Decreto
2805/2008, art. 19) “Estação Classe D. Máximo 250 watts de p. r. a., na
direção de máximo ganho de antena. Máximo 900 W de p. r. a., na direção de
máximo ganho de antena, para os municípios (sem incluir as cidades capitais)
pertencentes aos estados de Guajira, Chocó, Putumayo, Caquetá, Amazonas,
Vaupés, Guaviare, Vichada, Meta, Casanare y Arauca.”
|
“O fim da duração das concessões atuais e futuras para a
prestação do Serviço de Radiodifusão Sonora será de dez (10) anos
prorrogáveis por períodos iguais. Em nenhum caso haverá renovações
automáticas nem gratuitas.” (Decreto 2805/2008, art. 10)
|
“““Pelas estações de radiodifusão sonora comunitária
poderá transmitir propaganda, exceto publicidade política, e poderá dar
crédito a quem dê patrocínios, auspícios e apoios financeiros para
determinada programação (...). [Sob] os seguintes critérios: - Para
municípios com menos de 100.000 habitantes, (...) não poderá ultrapassar de
quinze (15) minutos por cada hora de transmissão da estação. - Para
municípios entre 100.000 e 500.000 habitantes, (...) dez (10) minutos por
cada hora de transmissão da estação. - Para municípios ou distritos com mais
de 500.000 habitantes, (...) sete (7) minutos por cada hora de transmissão da
estação.”“ (Decreto 2805/2008, art.27)
|
País
|
Definição legal
|
Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
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Sustentabilidade
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Equador
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“São estações de serviço público aquelas destinadas ao
serviço da comunidade, sem fins utilitários, que não poderão veicular publicidade
comercial de nenhuma natureza. Estão incluídas no inciso anterior, as
estações privadas que se dediquem a fins sociais, educativos, culturais ou
religiosos, devidamente autorizados pelo Estado.” (Decreto Supremo No.
256-A/2007, art. 8)
|
[Não há reserva de espectro] “Os requisitos, condições,
poderes, direitos, obrigações e oportunidades que devem cumprir os canais ou
frequências de radiodifusão e televisão das estações comunitárias, serão os
mesmos que esta Lei determina para as estações privadas com finalidade
comercial” (Decreto Supremo No. 256-A/2007, art. 8) [Com isso há
possibilidades de concessão para AM, FM e OC]
|
“Os requisitos, condições, poderes, direitos, obrigações e
oportunidades que devem cumprir os canais ou frequências de radiodifusão e televisão
das estações comunitárias, serão os mesmos que esta Lei determina para as
estações privadas com finalidade comercial.” (Decreto Supremo No. 256-A/2007,
art. 8) [Igualdade de possibilidades de potência e alcance dos meios
comerciais]
|
“O contrato de concessão tem um período de duração de dez
anos, e será renovado sucessivamente por períodos iguais.” (Decreto Supremo
No. 256-A/2007, art. 15)
|
“Não poderão veicular publicidade comercial de nenhuma
natureza. Estão incluídas no inciso anterior, as estações privadas que se
dediquem a fins sociais, educativos, culturais ou religiosos (...). No
entanto, as estações comunitárias que nascem de uma comunidade ou organização
indígena, afro equatoriana, camponesa ou qualquer outra organização social
(...) podem realizar autogestão para a melhoria, manutenção e operação de
suas instalações, equipamentos e pagamento de pessoal através de doações,
mensagens pagas, e publicidade de produtos comerciais.” (Decreto Supremo No.
256-A/2007, art. 8)
|
|||||
Paraguai
|
[A lei de telecomunicações estabelece os Serviços de
Radiodifusão de pequena e média cobertura ou rádios comunitárias]
“Constitui-se o serviço de radiodifusão alternativa, que incluirá as rádios
comunitárias, educativas, associativas e cidadãs, de pequena e média cobertura.”
“O objetivo destes serviços consiste em emitir programas de caráter cultural,
educativos, artísticos e informativos sem fins de lucro.” (Lei 642/95, arts.
57 e 58)
|
“O Serviço de Radiodifusão Sonora de Pequena e Média
Cobertura se classificará da seguinte maneira: a. Serviço de Radiodifusão de
Pequena e Média Cobertura por ondas hectométricas ou ondas médias, com
modulação em amplitude (AM) (...). b. Serviço de Radiodifusão de Pequena e
Média Cobertura por ondas métricas, com modulação em frequência (FM) “ (Res.
N° 898/2002, art. 5)
|
“As estações (...) que operem na banda de ondas médias ou
hectométricas, terão potência de transmissão máxima (...) de 10 W” “As
estações de Radiodifusão de Pequena e Média Cobertura que operem na banda de
ondas métricas terão potência efetiva radiada máxima (PER), de 300 W, com
altura máxima do centro geométrico de antena de 30 m.” (Res. N° 898/2002,
art. 6 e 7)
|
“As Autorizações para a prestação do Serviço de
Radiodifusão Sonora de Pequena e Média Cobertura serão designadas por um
prazo de cinco anos, (...) e poderá ser renovada sob solicitação do
interessado.” (Res. N° 898/2002, art. 19)
|
“As organizações sem fins de lucro (...) terão direito a
assegurar sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento,
para tais poderão obter recursos provenientes de aportes solidários, anúncios
de entidades públicas, ou de outras fontes que sejam geradas dentro de sua
área de cobertura. A totalidade dos recursos obtidos deverá ser investida
exclusivamente no funcionamento e na introdução
de melhorias na prestação e no desenvolvimento dos
objetivos do Serviço.”“ (Res. N° 898/2002, artigo 28)”
|
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Peru
|
“Radiodifusão Comunitária: É aquela cujas estações estão
localizadas em comunidades camponesas, nativas e indígenas, áreas rurais ou de
interesse social preferencial.” “Regime preferencial: os serviços de
radiodifusão educativa e comunitária, assim como aqueles cujas estações sejam
localizadas em zonas de fronteira, rurais ou de interesse social
preferencial, qualificadas como tais pelo Ministério, tem um tratamento
preferencial estabelecido no Regulamento.” (Lei Nº 28278/2004, art.9 e 10)
|
“Atribuição de Frequências. As autorizações para prestar o
serviço de radiodifusão comunitária e em áreas rurais, lugares de interesse
social preferencial e em localidades fronteiriças, só poderão ser outorgadas
para operar na banda de frequência modulada (FM) no caso do serviço de
radiodifusão sonora e nas bandas de VHF e UHF, em se tratando do serviço de
radiodifusão por televisão”. (Decreto Supremo Nº 005/2005, art. 47)
|
[Não há limites prévios, sendo estabelecidos no plano de
outorgas | Há muitos casos de 100 w, 250 w e 500 w]
|
“O prazo máximo de vigência da autorização é de dez (10)
anos, contados a partir da data de notificação da respectiva resolução e será
renovada automaticamente por períodos iguais, sob prévio cumprimento dos
requisitos estabelecidos na Lei.” (Lei Nº 28278/2004, art. 15)
|
“Todos os titulares de serviços de radiodifusão podem
transmitir mensagens publicitárias.” (Lei Nº 28278/2004, art. 9)
|
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País
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Definição legal
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Acesso ao espectro
|
Potência e/ou alcance de transmissão
|
Prazo de outorga
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Sustentabilidade
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Uruguai
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“Entende-se por serviço de radiodifusão comunitária o
serviço de radiodifusão não estatal de interesse público, prestado por associações
civis sem fins de lucro com personalidade jurídica ou por aqueles grupos de
pessoas organizadas que não busquem fins de lucro e orientado a satisfazer as
necessidades de comunicação social e a habilitar o exercício do direito à
informação e à liberdade de expressão dos habitantes da República. “ (Lei Nº
18.232/2007, art. 4)
|
“O Poder Executivo (...) reservará para a prestação do
serviço de radiodifusão comunitária e outros sem fins de lucro, ao menos um
terço do espectro radioelétrico para cada localidade em todas as bandas de
frequência de uso analógico e digital e para todas as modalidades de emissão”
(Lei Nº 18.232/2007, art. 5)
|
“Em nenhum caso se entenderá que o serviço de radiodifusão
comunitária implica necessariamente um serviço de cobertura geográfica
restrita. Tal área estará definida pela sua finalidade pública e social e
dependerá da disponibilidade e planos de uso do espectro e da proposta
comunicacional da emissora.” (Lei Nº 18.232/2007, art. 4)
|
“As atribuições de frequências para o serviço de
radiodifusão comunitária serão outorgadas por um prazo de dez anos. Poderão
ser prorrogados por períodos de cinco anos condicionado ao cumprimento das
condições de atribuição e da celebração de uma audiência pública prévia e
sempre que não existam limitações de espectro confirmado por informes
técnicos. Em caso contrário, e se houver outros interessados, será possível a
renovação por cinco anos mediante concurso nas condições fixadas por esta lei
e pelo regulamento respectivo.” (Lei Nº 18.232/2007, art. 9)
|
“As entidades sem fins de lucro que prestem serviço de
radiodifusão comunitária terão direito a assegurar sua sustentabilidade
econômica, independência e desenvolvimento, para os quais poderão obter
recursos, entre outras fontes, de doações, aportes solidários, auspícios,
patrocínios e publicidade, de acordo com as normas vigentes. A totalidade dos
recursos que obtenham as entidades que prestem o serviço de radiodifusão
comunitária, por e para este serviço, deverão ser investidos no funcionamento
e em melhorias na prestação do mesmo e no desenvolvimento dos objetivos do
serviço de radiodifusão comunitária.” (Lei Nº 18.232/2007, art.10)
|
|||||
Venezuela
|
“[Definição] ““1. Comunidade: conjunto de pessoas que
residem ou se encontram domiciliadas em uma localidade e que a Comissão
Nacional de Telecomunicações determina
que se encontram estreitamente vinculadas em razão de sua
problemática comum e de suas características históricas, geográficas,
culturais e tradicionais.” “9. Radiodifusão sonora comunitária: serviço de
radiocomunicação que permite a difusão de informação de áudio destinada a ser
recebida pelo público em geral, como meio para alcançar a comunicação livre e
plural dos indivíduos e das comunidades organizadas em seu âmbito respectivo”
(Decreto Nº 1.521/2002, art. 2)”
|
[Uma por localidade, em FM] “Modulação: Frequência
Modulada” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 36)
|
“Os atributos das habilitações de radiodifusão sonora e
televisão aberta comunitárias de serviço público, sem fins de lucro terão
como zona de cobertura a localidade em que se prestará o serviço. Tais
localidades não poderão ser menores que a área geográfica da 'parroquia' [na
Venezuela, a unidade política e territorial de menor classificação, onde se
dividem os municípios] em que se preste o serviço e não poderão abarcar
frações da área total de uma 'parroquia'. As localidades não poderão ter uma
área maior a do município em que se presta o serviço. (Decreto Nº 1.521/2002,
art. 6)
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“A duração das habilitações administrativas não poderá
exceder de vinte e cinco anos; pudendo ser renovada por iguais períodos
sempre que seu titular haja cumprido com as disposições previstas nesta Lei e
em seus regulamentos” (Lei Orgânica de Telecomunicações, 2000, art. 21)
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“Os operadores comunitários poderão transmitir publicidade
comercial de pequenas e médias indústrias domiciliadas na localidade onde se
presta o serviço. Igualmente, poderão transmitir publicidade de bens e
serviços que ofereçam as pessoas naturais membros da comunidade onde se
presta o serviço (...). Em nenhum caso o tempo total de publicidade poderá
exceder cinco (5) minutos em uma hora de transmissão” “Os rendimentos obtidos
pela prestação dos serviços de radiodifusão sonora comunitária e televisão
aberta comunitária deverão ser destinados a garantir o funcionamento e
manutenção das redes de telecomunicações, a continuidade da prestação do
serviço em questão e a realização do objeto para o qual foi constituída a
fundação comunitária.” (Decreto Nº 1.521/2002, art. 30 e 20) [Lei mais
recente permite 10 minutos de publicidade]
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Análise a partir dos dados obtidos
Considerações iniciais
Primeiramente, cabe apontar que todos os países analisados
já oferecem um amparo legal – mesmo que, em muitos casos, limitado e restritivo
– para o exercício da radiodifusão comunitária. Isso por si só já evidencia um
avanço, tendo em vista que, por muitos anos as rádios comunitárias da América
do Sul existiram à margem da lei. Como exemplo histórico podemos citar a
Bolívia. Talvez um dos casos mais antigos de utilização do rádio como
ferramenta de mobilização comunitária tenha sido as chamadas rádios mineiras
bolivianas, consideradas “experiências históricas pioneiras, no continente
latino-americano, no que se refere ao uso autônomo da tecnologia eletrônica de
comunicação por segmentos da classe trabalhadora” (PERUZZO, 1998, p. 192), cuja
origem remonta os anos 1940: “cada um dos 34 meios era de propriedade coletiva
e se sustentava com as contribuições dos jornais dos trabalhadores mineiros
sindicalizados das principais minas da zona andina (tradução nossa)” (ALVIS,
VILLANUEVA e ULO, 2009, p. 109). Apesar da figura da “rádio comunitária” no
país ter sido criada somente nos anos 1980 (idem), tais experiências pioneiras
já evidenciavam os princípios e causas de tais meios hoje ditos comunitários.
Assim, podemos afirmar que passaram-se mais de 60 anos até que as rádios
comunitárias bolivianas encontrassem amparo jurídico legítimo para seu
funcionamento, com o Decreto Supremo 27.489 de 14 de maio de 2004.
Também as rádios comunitárias brasileiras passaram por um
longo período à sombra da lei. Apesar de as primeiras experiências no país
datarem da década de 1980, o reconhecimento legal desses meios só foi acontecer
em 1998. Com isso, o estigma da “ilegalidade” passou a fazer parte da
trajetória dessas emissoras, “seja porque passaram a existir sem ter uma
legislação para o setor, ou porque, diante da morosidade do poder público em
conceder autorização para seu funcionamento, muitas delas funcionam sem permissão
legal” (PERUZZO, 2004, p.1). Esse é um aspecto importante a ser considerado,
tendo em vista que, assim como no Brasil, em diversos outros países tal brecha
legal favoreceu um processo de desprestígio de tais meios junto à opinião
pública que resiste a mudar.
Definição legal
Ao analisarmos as definições de radiodifusão comunitária no
seu marco legal específico (ou legislações em comunicação que já abrangem em
sua letra tal setor) dos dez países da região, percebemos algumas
características comuns. Uma das similaridades se refere à ênfase ao seu caráter
não lucrativo, um dos pilares definidores da radiodifusão comunitária e que a
contrapõe aos serviços de radiodifusão comerciais (ou privados com fins de
lucro). Exceto o Peru, todos os marcos mencionam como prerrogativa o
solicitante da outorga ser uma organização social sem fins de lucro. Chile
(artigo 9 da Lei 20433) e Colômbia (artigo 2 do Decreto 2805) o fazem nos
artigos em que descrevem as personalidades jurídicas habilitadas ao serviço de
radiodifusão comunitária e Venezuela no próprio título do Regulamento (Decreto
1.521), todos os demais nas primeiras letras da lei. Outra recorrência se
refere aos objetivos e finalidades que devem nortear as emissoras comunitárias.
Boa parte dos marcos legais analisados destaca finalidades como promover a
“melhoria das condições de vida das pessoas” (Bolívia), “assegurar a
comunicação livre e plural dos membros de uma comunidade” (Venezuela),
“satisfazer as necessidades de comunicação social e a habilitar o exercício do
direito à informação e à liberdade de expressão” (Uruguai) etc., diferentes
matizes para uma expectativa de valores ligados à democracia, pluralidade e o
bem comum.
Um aspecto importante para a linha de estudo que temos
adotado [uma das perspectivas de estudo de minha pesquisa de doutorado
intitulada “A comunicação comunitária no limite: um estudo sobre seu alcance
teórico a partir da análise das rádios comunitárias brasileiras” é a relevância
da investigação conceitual de comunidade para o entendimento da
problemática da comunicação comunitária e seus objetos de estudo] é o
entendimento de comunidade presente nos marcos legais analisados: exceto o
Uruguai (onde a palavra também é mencionada na Lei 18.232, somente quando em
referência ao Plano de Serviços à Comunidade), em todos eles aparece o termo
“comunidade”, já nas primeiras definições. O que parece óbvio – tendo em vista
que uma rádio comunitária surge para atender uma determinada comunidade –
esconde quase sempre uma definição implícita que acarreta limitações
posteriores ao funcionamento do meio: comunidade entendida somente como um
território delimitado. Excetuando Argentina, Equador e Uruguai, todas as demais
leis vinculam comunidade a um espaço territorial demarcado, o que se assevera
com limitações de potência e alcance (abaixo analisados) aos meios
comunitários. Há casos como o da Venezuela em que, logo no artigo 2 do
Regulamento de radiodifusão comunitária, há a definição de comunidade como
“conjunto de pessoas que residem ou se encontram domiciliadas em uma
localidade” (Decreto 1.521/2002). Também o Brasil, define a partir da negação
(“em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita”),
destacando a exclusividade do serviço para “bairro e/ou vila” (Lei 9612/1998,
art. 1). Em outro momento [cf.”Rádios comunitárias brasileiras e a
questão espacial” (MALERBA, 2008)] analisamos em detalhe o anacronismo de tal
definição brasileira, tendo em vista o esgarçamento do entendimento
contemporâneo de comunidade, que já abarca agrupamentos humanos vinculados por
interesses e/ou características socioculturais comuns, dependentes ou não de
vínculos territoriais. Porém cabe-nos aqui desconfiar dos interesses ocultos em
tal atrelamento comunidade & território físico quando
justamente os marcos legais que aceitam uma maior amplitude do conceito são
aqueles que menos impõem restrições aos meios comunitários.
Acesso ao espectro
O espectro eletromagnético é um bem escasso, por isso, de
acordo com as recomendações da Relatoria de Liberdade de Expressão da OEA,
os Estados em sua função de administradores das ondas do
espectro radioelétrico devem atribuí-las de acordo a critérios democráticos que
garantam uma igualdade de oportunidades a todos os indivíduos no acesso aos
mesmos. Isto precisamente é o que estabelece o Princípio 12 da Declaração de
Princípios de Liberdade de Expressão (tradução nossa). (LORETI e GOMEZ, 2012,
p. 42)
Com isso, os diferentes tipos de prestadores de meios de
difusão – estatais, comerciais e públicos (incluídos aqui os meios comunitários)
– devem gozar de critérios justos e equitativos para aceder ao espectro. Para
tal, os documentos dos Relatores de Liberdade de Expressão, principalmente a
Declaração Conjunta de Amsterdã de 2007 sugere que “as medidas específicas para
promover a diversidade podem incluir a reserva de frequências adequadas para
diferentes tipos de meios” (LIGABO et all, 2007).
Isso aconteceu recentemente no Uruguai (2007), Argentina
(2009) e Bolívia (2011), que alteraram seus marcos legais em comunicação de modo
a garantir uma reserva de um terço do espectro para os meios comunitários, em
todas as bandas e modalidades de transmissão (AM, FM, Ondas Curtas, TV Aberta,
TV a cabo etc.), em plataformas analógicas e digitais. Também o Equador prevê a
mesma medida no artigo 113 da Nova Lei Orgânica de Comunicação, ainda em fase
de votação, distribuindo equitativamente as frequências: 33% para meios
públicos, 33% para privados e 34% para comunitários.
No Brasil, o artigo 223 da Constituição Federal observa “o
princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Porém,
a Lei 9.612 reserva “um único e específico canal na faixa de frequência do
serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada” (art. 5). Com isso, no
Brasil, as comunidades não podem ter acesso a televisão aberta (somente a cabo)
ou rádios AM e Ondas Curtas, da mesma forma no Chile e Colômbia. No Peru e
Venezuela às comunidades estão vedadas a rádio AM, permitindo somente FM e TV;
já o Paraguai permite somente rádio AM e FM. A ainda lei vigente do Equador não
faz qualquer impedimento de acesso tecnológico aos setores comunitários. Porém,
em 2008, no Equador, as frequências radioelétricas estavam divididas de forma
muito desigual: 85% das frequências destinadas às rádios comerciais, 12% às
igrejas e apenas 3% aos setores comunitários (TAMAYO, 2008).
Tais limitações em que certos setores sociais estão privados
de aceder a todos os meios possíveis de expressão e informação configuram uma
violação aos princípios de universalidade de meios e sujeitos estabelecidos no
Sistema Interamericano de Direitos Humanos para o exercício do direito à
liberdade de expressão (GÓMEZ e AGUERRE, 2009, p. 30). As limitações ao acesso
tecnológico vão de encontro à recomendação do Sistema de que “os diferentes tipos
de meios de comunicação – comerciais, de serviço público e comunitários – devem
ser capazes de operar em, e ter acesso equitativo a, todas as plataformas de
transmissão disponíveis” (LIGABO et all, 2007), a fim de garantir a
diversidade na comunicação.
Potência e/ou alcance de transmissão
No quesito limitação de potência, o Brasil tem a lei de
radiodifusão comunitária mais restritiva da região: a Lei 9612, já em seu
artigo primeiro, estabelece que a potência de transmissão das emissoras não
pode ultrapassar 25 watts. Além disso, o decreto regulamentador da radiodifusão
comunitária introduziu ainda a limitação quanto à área de cobertura das
transmissões, restrita “a área limitada por um raio igual ou inferior a mil
metros a partir da antena transmissora” (Decreto 2.615/98, art. 6). Cabe
ressaltar que, em contrapartida, as emissoras comerciais brasileiras não
possuem qualquer limite prévio de potência, atingindo milhares de watts. Mesmo
o Chile, que também estabelece o mesmo limite (25 watts), em se tratando de
locais de fronteira ou localidades “remotas, com população dispersa ou com alto
índice de ruralidade” chega a permitir uma potência de até 40 watts. A
excepcionalidade também ocorre no caso de povos indígenas, com um limite de até
30 watts. Também Bolívia, Colômbia, Paraguai e Venezuela impõem limitações de
potência.
Em contrapartida, a legislação argentina é categórica ao
exprimir que, no caso da radiodifusão comunitária, “em nenhum caso se entenderá
como um serviço de cobertura geográfica restrita”. (LSCA 26522/09, art. 4). De
teor quase idêntico é a lei uruguaia de radiodifusão comunitária, que ainda
acrescenta que “tal área estará definida pela sua finalidade pública e social e
dependerá da disponibilidade e planos de uso do espectro e da proposta comunicacional
da emissora” (Lei Nº 18.232, artigo 4). Também no Equador e Peru, não há
limites prévios de potência. Porém, no caso supracitado peruano, na prática, a
quase totalidade das emissoras comunitárias se encontra nas zonas rurais (GÓMEZ
e AGUERRE, 2009, p. 32). Processo semelhante de “ruralização” das outorgas
também acontece na Bolívia.
Prazo de outorga
A partir de anos de levantamentos e análises dos marcos
regulatórios e políticas públicas em diferentes países da região e dos padrões
interamericanos de direitos humanos, o Programa de Legislação da Associação
Mundial de Rádios Comunitárias – América Latina e Caribe desenvolveu 40 Princípios
para garantir a diversidade e a pluralidade na radiodifusão e nos serviços de
comunicação audiovisual. O princípio 27 recomenda que “as concessões de uso
de frequências radioelétricas devem ser adjudicadas por períodos de tempo
determinados a quem ofereça prestar um melhor serviço de comunicação” (LORETI e
GÓMEZ, 2009, p. 80) de modo a preservar o acesso democrático às frequências.
Todos os países analisados estabelecem prazos de outorga para as rádios
comunitárias: cinco anos – Paraguai; 10 anos - Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Equador, Peru e Uruguai; 15 anos - Bolívia; 25 anos – Venezuela.
Todas as legislações analisadas pressupõem concursos públicos com critérios
determinados para a atribuição de licenças para rádios comunitárias.
Sustentabilidade
No tópico Sobre a Diversidade de Tipos de Meios de
Comunicação, na Declaração de Amsterdã de 2007, a Relatoria pela liberdade
de expressão estabelece que
a radiodifusão comunitária deve estar expressamente
reconhecida na lei como uma forma diferenciada de meios de comunicação, deve
beneficiar-se de procedimentos equitativos e simples para a obtenção de
licenças, não deve ter que cumprir com requisitos tecnológicos ou de outra
índole severos para a obtenção de licenças, deve beneficiar-se de tarifas de
concessionária de licença e deve ter acesso a publicidade (grifo nosso)
(LIGABO et all, 2007).
Há uma confusão comum entre ausência de finalidades de lucro
e ausência de atividades econômicas de sustentabilidade. Loreti e Gómez
esclarecem que “a ausência de finalidade de lucro é a atividade que não busca
obtenção de entradas para sua acumulação ou sua distribuição ou seu
investimento em objetivos diferentes dos que correspondem ao serviço de
radiodifusão comunitária” (2009, p. 56). A partir dessa confusão – ou se
valendo dela – países como Brasil e Chile proíbem publicidade comercial,
permitindo somente “apoio cultural” (Brasil) e “menção comercial”, espécies de
patrocínio que impedem qualquer promoção de bens, produtos, preços, condições
de pagamento, ofertas, vantagens e serviços, acarretando dificuldades de
sustentabilidade para as rádios comunitárias de seus países. Todos os demais
países permitem múltiplas formas de financiamento, inclusive publicidade
comercial, todos estabelecendo limites máximos de propaganda por hora de
programação, como também acontece com os meios comerciais. Na Colômbia, por
exemplo, esse limite varia de acordo com a população do município onde a rádio
está estabelecida. Reforçando a concepção não lucrativa das rádios
comunitárias, países como Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e
Venezuela reforçam na letra da lei que todos os recursos obtidos com a
prestação do serviço têm de ser reinvestidos na continuidade e o
desenvolvimento da própria emissora. Já a limitação da publicidade, patrocínio
ou apoio econômico aos estabelecimentos localizados na zona de cobertura da
rádio aparece nas legislações de Brasil, Chile e Venezuela.
Considerações finais: o caso Brasil
Quando comparado aos demais países sul-americanos, o Brasil
possui um dos marcos legais em radiodifusão comunitária mais restritivos e
incompatíveis com o que é sugerido pelos padrões interamericanos de boas
práticas legislativas para a diversidade, pluralidade e democracia na
comunicação. Praticamente inalterada desde sua criação em 1998, a única
alteração efetiva da lei brasileira de radiodifusão comunitária ao longo dos
anos foi o projeto de lei que ampliou seu prazo de outorga de três para dez
anos (Lei 10597/02). Fora isso, as diversas restrições, há muito criticadas
pelo movimento de rádios comunitárias, continuam prejudicando o pleno
desenvolvimento e, em alguns casos, inviabilizando a radiodifusão comunitária
no país.
O que foi afirmado acima fica claro a partir do que foi
analisado no presente estudo. Como foi dito, a legislação brasileira define o
serviço de radiodifusão comunitária a partir de limites territoriais. Apesar de
legislar longamente sobre motivações ideológicas, programação, modos de
funcionamento, formas de financiamento etc., a lei de radiodifusão comunitária
brasileira, logo em seu primeiro artigo, restringe o funcionamento da emissora
comunitária “ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila”.
É inviável que comunidades de grande extensão, como muitas das favelas
metropolitanas brasileiras, sejam atendidas por uma rádio comunitária cujo
alcance esteja limitado ao raio de um quilômetro. Se pensarmos em comunidades
tradicionais amazônicas (indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc.), em que
muitas habitações distam quilômetros entre si, essa limitação inviabiliza de
início o funcionamento de uma emissora comunitária no local [para uma abordagem
detalhada sobre o assunto, ver Lacerda (2003)]. Além do mais, tal definição
impede que comunidades etnolinguísticas e de interesse, para além das
territoriais, acedam ao direito de constituir meios eletrônicos próprios de
comunicação. Também nos demais itens analisados – exceto na questão do prazo de
outorga – a lei brasileira demonstra seu potencial restritivo: não há qualquer
reserva de espectro que faça cumprir o determinado pela Constituição Federal
acerca da complementaridade das modalidades de comunicação; para as comunidades
fica restrito um canal único, em cada localidade, em somente uma das
modalidades de radiodifusão, o rádio FM; a maior potência possível é a menor
entre as legislações analisadas, 25 watts de potência ou um quilômetro de
alcance; a sustentabilidade econômica fica seriamente prejudicada com a
proibição de publicidade, muitas vezes, colocando as rádios em situação de
penúria financeira e que, por vezes, acaba por torná-la dependente de
interesses extracomunitários, como poderes religiosos e/ou políticos locais,
num processo que vem descaracterizando a radiodifusão comunitária no Brasil.