Quando um país é uma democracia, isso significa uma porção de coisas, como o voto direto, secreto e universal para os cargos políticos e a liberdade de expressão, por exemplo, além do respeito às leis e às instituições públicas. Todos esses são, sem dúvida alguma, importantes preceitos de um regime democrático, como o nosso. No entanto, o que muitas vezes nos esquecemos de nos questionar é o seguinte: democracia para quem e para o quê? Nisso quero dizer: A democracia é uma produção teórica, típica dos compêndios da ciência política ou é algo vivo, real e, de fato, perceptível no cotidiano comum da maioria dos brasileiros, nas mais diversas escalas em que vivem? Já de antemão, digo-lhes: prefiro a segunda opção e vou dizer o porquê nas próximas linhas que se seguem.
Embora o país seja enorme e sejamos nós quase 200 milhões de brasileiros, jamais podemos nos esquecer que a vida cotidiana se passa nas comunidades em que cada um vive. A Constituição da República nos garantiu o direito ao livre acesso às informações, mas, mais do que isso, também nos garantiu o direito de nós mesmos produzirmos as informações que consumimos. É nesse contexto que entra a importância da rádio comunitária para o próprio fortalecimento da democracia, pois ela é a materialização do direito de falar e de ser ouvido, é a máxima demonstração do direito à liberdade de expressão, mas com importante diferença da grande mídia: aqui o que importa não é o poderio econômico dos grupos que patrocinam os grandes veículos de comunicação, em nível nacional e, mesmo, municipal. Ao contrário, é a Dona Maria que lá na rua detrás sofre com a falta de saneamento e que vem até nós e nos pede um espaço para compartilhar com toda a comunidade o seu problema. É o Seu Antenor, açougueiro, que coloca anúncio ofertando seus produtos. É um grupo de dança da escola vizinha que vem convidar a todos para o evento que professores e alunos estão organizando. Enfim, é a vida cotidiana simples, se fazendo ouvir.
Quem conhece a realidade das comunidades pobres do Brasil, sabe da importante função social que exercemos. A fundação Potiguar, mantenedora da FM Cidadania, não é só uma rádio, mas é também importante agente transformador do convívio comunitário. Executamos trabalhos com crianças e adolescentes do bairro, no que se refere à inclusão digital, ofertando-lhes, gratuitamente, cursos de informática e acesso à grande rede mundial de computadores, a internet. Em nossas dependências, desenvolvem-se grupos de dança, de capoeira, além de ações afirmativas em datas comemorativas, tais como dia dos pais e das mães, natal e páscoa, por exemplo. Somos, definitivamente, um importante equipamento social utilizado por todos os do bairro D. Jaime Câmara, onde nos localizamos, em Mossoró, RN. Apesar de tudo isso, a rádio desperta a ira dos mais poderosos. Políticos e grandes empresários donos das principais rádios comerciais de nossa cidade, sempre exerceram e continuam a exercer enorme pressão pelo fechamento da rádio.
No decorrer desses últimos 15 anos, nossos instrumentos de transmissão já foram lacrados seis vezes e, em outras oportunidades, três equipamentos foram apreendidos, como se encontram até hoje. Nossa luta para nos mantermos no ar se fez a duras penas, aliás, duríssimas. Já respondemos a vários inquéritos e processos penais, além de multas – algumas chegam a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) – e execuções fiscais. Hoje mesmo correm contra a Fundação Potiguar cinco processos judiciais, sem falar do comprometimento pessoal de alguns dos seus membros, homens honestos e pais de família, como os doze cidadãos que atualmente respondem a um indiciamento penal na Justiça Federal.
O ridículo de toda essa situação é que o Estado Brasileiro, ele próprio, cria as dificuldades para a legalização da Rádio e depois pune os que tentam sobreviver, criando uma verdadeira situação de inexigibilidade de conduta diversa. Para termos uma idéia, em janeiro do ano de 2000, a Fundação Potiguar requereu ao Ministério das Comunicações, através de uma “manifestação de interesse”, o aval para o funcionamento da FM Cidadania. Somente recebemos resposta em 2007. Hoje, felizmente, temos a concessão até 2019, mas eu lhes pergunto: o que queria o Estado que fizéssemos? Fechássemos a rádio? Desmobilizássemos a comunidade e a privássemos do direito constitucional de produzir a informação que ela própria consome? Não foi esse o caminho que adotamos. A morosidade da máquina pública não poderia nos tolher do direito de sermos o que somos: um agente social de relevante posição na comunidade em que nos localizamos. Nesta condição, sempre assumimos nossa responsabilidade e jamais nos escusaremos de nossas convicções.
Como se já não bastasse, mesmo legalizados há dois anos, desde 2007, ainda sofremos um último golpe. Há pouco mais de um mês, 14 homens fortemente armados, em 04 viaturas da Polícia Federal, esbanjando uma força desproporcional ao que o momento exigia, se fizeram presentes em nossa sede e, seguindo ordem judicial, apreenderam nosso transmissor e nos impuseram quase 10 dias de silêncio. Isso mesmo, foram 10 longos dias em que a comunidade não se ouviu. Ressalte-se: já somos legalizados há mais de 03 anos e, mesmo assim, sofremos mais uma busca e apreensão. Aquelas cenas, dificilmente, sairão das mentes dos que presenciaram o momento, mas não esmorecemos. Nos fizemos ouvir no processo, reavemos nosso transmissor e, de pleno direito, estamos no ar, divulgando, orgulhosamente, a nossa comunidade e desafiando o interesse de poderosos.
Fizemos sempre tudo isso por que acreditamos que a democracia só é legítima se vivenciada em seu dia-a-dia pelos milhões de brasileiros que formam esse país. É essa a missão das rádios comunitárias, então: tornar a democracia legítima, dar às comunidades o direito de se ouvirem, de consumirem, elas próprias, as informações que produzem. Hoje, finalmente, legalizados, somos a voz dos que, em outro meio, jamais teriam qualquer espaço. Disso muito nos orgulhamos!
A direção da Rádio Cidadania 98 FM – Mossoró