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segunda-feira, 24 de março de 2014

Rádios comunitárias ameaçadas: silenciando a voz do povo

Marco Araújo e Wladimir Aguiar na porta da Rádio Maré 


POR MILLI LEGRAIN

“A imagem do Brasil da felicidade, do samba e do futebol é uma construção da elite”, disse Marco Araújo, locutor da Rádio Comunitária Maré, uma das muitas rádios populares no Brasil que levam anos esperando que o governo lhes outorgue permissão para operar.

O estúdio fica no complexo de favelas da Maré, a três minutos em moto-taxi da Avenida Brasil, na zona norte do Rio de Janeiro, na altura do aeroporto internacional do Galeão.

Alí, todos os dias, desde as 8 da manhã, Divan Carlos, um locutor voluntário, também técnico em eletrônica, apresenta seu programa “Bom Dia Maré”.

No dia em que conheceu a rádio, estava promovendo Edson Wânder, um artista local  oriundo do Recife, que acaba de lançar seu novo disco e reside em Maré. Assm, um dos papéis das rádios comunitárias é difundir os artistas locais que têm poucas oportunidades de aparecer na grande mídia.

Em um país marcado pelas desigualdades sociais e onde a imprensa está concentrada nas mãos de uns poucos, muitos brasileiros não se sentem representados pelos meios da comunicação de massa.

Maré é uma das poucas comunidades do Rio que não está em um morro. Desenvolveu-se sobre um pântano nos anos 40 e hoje compreende umas 16 favelas. É também uma das comunidades que ainda não foram “pacificadas” pela  Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), como parte do programa do governo do Rio para combater o narcotráfico. O tema desperta polêmica e existem defensores e detratores: enquanto alguns se queixam do narcotráfico, outros o fazem em relação à violência policial.

Wladimir Aguiar, diretor da rádio comunitária, conta que a criação e sobrevivência da Maré FM não tem sido fácil. Nos anos 80, formava parte de um movimento para a democratização das rádios, buscando a regulamentação das rádios comunitárias. “Mas o que conseguimos foi criar uma lei que criminaliza as rádios comunitárias”, explica. “Desde que a lei foi aprovada, muitas rádios foram fechadas”, lamenta.

A lei é restritiva em sua definição de comunidade, porque equipara comunidade a uma localidade física. “Dessa maneira, ficam excluídas comunidades como gays, grupos étnicos, mulheres e outros”, explica Pedro Martins, representante no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC). A repressão fechou no Brasil em 2010 cerca de 940 rádios comunitárias e livres. Em 2011 foram 698 rádios fechadas pela Polícia Federal. “Trata-se de um número bastante alto e é resultado de uma política de comunicação que não garante o acesso a este direito fundamental”, denuncia Pedro.

Wladimir relata que no ano passado, quando a UPP entrou no Morro dos Prazeres, uma favela no bairro de Santa Teresa, no centro do Rio, os policiais prenderam o representante da rádio comunitária local. “Todavia  existe o risco de sermos multados”, disse.


“Brasil é um dos poucos países do mundo que criminaliza a radiodifusão de baixa potência […] Em geral, em outros países, as sanções são administrativas. Aqui é um crime e tem gerado processos judiciais contra os dirigentes das rádios que são até presos, sem que tenham causado dano a ninguém”, explica Pedro. “Por que o Ministério das Comunicações regula as rádios comerciais e só castiga as rádios comunitárias?”, pergunta. Será que neste ano eleitoral haverá alguém que tenha vontade política de encarar este problema histórico, de democratizar a comunicação e deixar que os cidadãos das comunidades tradicionalmente marginalizadas possam construir sua própria identidade?”.