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terça-feira, 17 de julho de 2012

Ativista de rádio comunitária do Rio Grande do Norte diz que Governo tem medo do povo organizado


João Eudes é radialista comunitário em Macau/RN
A arbitrariedade é uma coisa inconcebível

Em entrevista ao Radar Potiguar, João Eudes Gomes, produtor cultural e diretor da Rádio Comunitária Solidariedade, de Macau, fez suas considerações acerca do rumoroso caso em que ele foi preso pela PF acusado de operar radcom sem outorga:

João Eudes – Nós somos vítimas da intolerância, da falta de democracia, até da falta de respeito. Uma perseguição que é feita pela Anatel, depois pela Polícia Federal, depois pelo Ministério Público Federal e que culmina na Justiça Federal. O Ministério Público denunciou, em 2005, a 93.5 FM por ser uma rádio clandestina, por ter uma atividade ilegal. Esse processo vem de lá para cá, houve idas e vindas e, finalmente, houve essa audiência hoje, na qual se chegou à conclusão de que não existem provas concretas de crime. Já saímos de lá com a certeza de que como criminoso não vamos ficar. Não tem como nos enquadrar dentro de uma lei de crime porque não existe crime. É o chamado "crime inexistente". Se o crime é inexistente, não existe autor.

No momento em que se vêem crimes de colarinho branco por toda parte, três forças do Estado se reúnem para massacrar uma iniciativa do movimento popular. Que considerações você faz?

J.E. – Eu acho que, de 1964 até agora, só existiu em Macau uma instituição comunitária. E os governos têm muito medo dessas idéias. Não é o fato de ser uma rádio. É porque você se indaga: como é que uma população sem dinheiro mantém uma rádio, a rádio funciona e tem audiência? Assim pode ser um hospital comunitário, pode ser um centro de compras comunitário, pode ser um banco comunitário. A população descobre que pode viver independente dos falsos líderes, vamos dizer, dos padrinhos, dos coronéis. É aquela coisa: a pessoa descobre, através da união na rádio comunitária, o que é a autogestão. Descobre que pode ser independente. E isso, no Brasil, é proibido. Porque o Brasil é um país capitalista em que não predomina a colaboração. O que predomina é a concorrência. E a rádio comunitária vem para pôr por terra essa questão da concorrência. A rádio comunitária sobrevive da colaboração. Aceita as pessoas como as pessoas são. Não precisa você falar chiando, não precisa você ser bonito. A rádio comunitária recebe a todos: o branco, o preto, o pobre, o rico, quem tem, quem não tem. Quem fala o português das elites, quem fala o português estropiado. A rádio comunitária recebe todo mundo. Não discrimina. Daí, existir uma grande perseguição contra essa atividade. Não é só contra a rádio. É contra a iniciativa de se organizar de forma independente das classes dominantes.

Não existe nem motivo do crime porque está tudo dentro da legislação.

J.E. – Vários fatores excluem a possibilidade de crime. Primeiro porque essa lei que o Ministério Público está arrimado é uma lei que foi suprimida pela Lei de Radiodifusão Comunitária, de 1998. Essa lei em que o Ministério Público está arrimado é uma lei de 1968, editada por Castelo Branco. Só que em 1998 foi editada uma lei específica para Rádio Comunitária. E nessa lei específica de Rádio Comunitária não existe pena de privação de liberdade, de apreensão de equipamento. O que existe é: primeiro, uma advertência; segundo, uma multa; e terceiro uma determinação de suspensão da atividade. Então, a juíza vai julgar como determina o Código Civil em que a lei antiga é suprimida pela lei nova.

Hoje eles juntaram vários casos. Inclusive um dos acusados que ali esteve saiu com uma multa para pagar, em cestas básicas. Quer dizer que a Anatel continua fazendo sua perseguição, de forma ilegal. E isso, com apoio do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Justiça Federal.

J.E. – A arbitrariedade é uma coisa inconcebível. O nome já está dizendo: arbitrariedade. Um ato em que você chega para a pessoa e faz todo aquele aparato, toda aquela coisa suntuosa, e a pessoa tem medo. Porque a imponência da espada da Justiça ameaça o cidadão comum, aquele que nunca esteve numa situação como essa. Porque na lei, no papel, ele é cidadão, tem direitos, mas na prática ele é réu, é tratado como um rebotalho. Ele é tratado como escória, é tratado como marginal. Na prática. Então, é preciso que os professores das universidades, quando estiverem dando o curso de Direito, de Direito Constitucional, digam para os alunos que existe uma diferença entre a prática e a teoria, como existe uma diferença do dia para a noite. Existe uma diferença da teoria para a prática. Na teoria, nós todos somos cidadãos. Na prática, a classe pobre, que não tem condições, não é tratada dessa forma. Você se impõe a outras pessoas, como você mesmo viu, só pelo medo. A pessoa tem medo e cede, para fazer acordo de uma coisa que é ilegal. Como é que a Justiça vai acatar uma decisão da Anatel? Porque a Anatel não tem poder de polícia. A Anatel é uma agência criada pelo governo federal para atuar na questão técnica. E hoje ela está obsoleta. E como é que esse órgão, num Estado Democrático de Direito, se arvora no direito de invadir a sede de associações, de passar por cima da Constituição, de passar pelos tratados internacionais que o Brasil assinou, as convenções que o Brasil assinou, como o Pacto da Costa Rica, a Constituição Federal e também a Lei de Radiodifusão Comunitária?

A gente vê que a rádio do político continua funcionando, e muitas vezes fazendo mal à população, pois se utiliza da mentira, do engodo e de subterfúgios. Nisso, a gente vê uma elite que se apropria do Estado e o administra para seus próprios fins, contra o povo. Os três poderes atuando em conjunto contra o povo.

J.E. – Contra o povo. Tudo é contra o povo. Aonde você chega, os sustentáculos do poder são contra o povo. Aqui é uma elite, sob uma religião de gananciosos, egoístas, tarados, doentes, contra a população. Então, para manter seus privilégios, eles passam por cima de tudo. Inclusive você está vendo aí o espetáculo, como a gente já denunciou em outras reportagens, que a barbárie está predominando. Precisa dizer mais alguma coisa?

Recentemente, a rádio FM Solidariedade foi premiada nacionalmente pelo trabalho  desenvolvido na comunidade do Porto de São Pedro, onde atua no desenvolvimento da educação e o reconhecimento da cidadania através da arte e da cultura. “Nossa rádio é um ponto de mídia livre, que valoriza e respeita nossa cultura”, disse João Eudes.