segunda-feira, 26 de julho de 2010
Depois de muita espera, Paraisópolis ganha rádio comunitária
Inauguração da Rádio Comunitária de Paraisópolis/SP
Carolina Iskandarian
G1/
Concessão do Ministério das Comunicações saiu este ano.
Inauguração da rádio na favela de SP está prevista para agosto.
A espera durou onze anos. Agora que saiu a concessão do Ministério das Comunicações, Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, terá sua primeira rádio comunitária legalizada. Cravada no Morumbi, bairro nobre da Zona Sul, a comunidade ganhará voz reconhecida na sintonia 87,5 FM. A previsão é de que a Nova Paraisópolis entre no ar no início de agosto.
Na quinta-feira (22), o G1 acompanhou a correria da equipe que faz os últimos ajustes nos estúdios, montados na sede da associação de moradores. “A rádio vai ser a nossa principal força, levando as reivindicações, as reclamações. É uma arma para a gente denunciar o que acontece aqui”, conta, animado, Gilson Rodrigues, presidente da associação e um dos conselheiros da rádio. O semblante só fica mais sério quando ele mexe na mesa de som. “Ainda estou aprendendo”, admite ele, enquanto busca o botão que baixa o volume da música sertaneja tocando ao fundo para dar a entrevista.
Para ser comunitária, uma rádio deve atender aos interesses de uma comunidade própria e não pode ter fins lucrativos. O apoio, em forma de doação, vem de empresas e entidades que têm ligação com a favela. As ondas da Nova Paraisópolis atingirão um raio de 1 km na região. Na programação, ainda em fase de ajustes, não podem faltar notícias, músicas, informações sobre saúde, educação e até espaço para a religião. Difícil vai ser agradar a todos.
“Nossa rádio tem que ser o mais plural possível. Tem que atender aos diversos grupos que existem na comunidade, como os idosos, os estudantes, os jovens e os trabalhadores”, conta Joildo dos Santos, 24, morador da favela desde 1998 e também escolhido para ser um dos locutores. “Desde 1999, a gente está brigando para ter essa rádio. Em 2003, saiu o edital (do Ministério das Comunicações)”, diz Santos. A concessão de dez anos, prorrogáveis, saiu no início de 2010.
Queremos acabar com a visão pejorativa que algumas pessoas têm da nossa comunidade"
Joildo dos Santos, locutor
Sem pirataria
A fiscalização será feita pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Gerente do escritório regional da Anatel em São Paulo, Everaldo Gomes Ferreira afirma que acompanhou a “luta” de Paraisópolis para que tivessem uma rádio autorizada. Segundo ele , “nos últimos anos”, só duas rádios piratas foram fechadas ali. “Eles mesmos (os moradores) ajudavam e denunciavam.”
“É uma conquista grande porque a comunidade é atuante, organizada, seguiu o trâmite legal, teve a paciência de esperar. Acompanhei a luta deles e vamos colaborar”, promete Ferreira. Até junho deste ano, a Anatel fechou 18 rádios piratas na capital e 27 na Grande São Paulo. Em 2009, foram 23 e 48, respectivamente. Segundo Ferreira, a multa é de R$ 10 mil. “Em caso de interferência na navegação aérea, a detenção é de 2 a 4 anos”, explica.
Em uma favela de aproximadamente cem mil moradores, onde, pelas contas de Gilson Rodrigues, 85% são nordestinos, não pode faltar entretenimento para eles. O técnico em manutenção Rosivaldo da Silva Alves,32, sabe o que quer ouvir. “Eu gosto mais de notícia e música. Sertanejo, um forrozinho.” Já a empregada doméstica Fagna Sousa do Carmo, 25, quer uma programação voltada para as mulheres. E terá.
Nos planos da Nova Paraisópolis, estão pílulas informativas que falarão, por exemplo, sobre sexo, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência. “Aqui, a adolescente não tem abertura de conversar com a mãe sobre sexo. A gente vai procurar ginecologistas e psicólogos que possam dar entrevistas”, afirma a estudante de psicologia Renata Ferreira Santos, que comandará um programa nesse estilo.
Seguindo modelo de Heliópolis
Na onda das mídias sociais, a Nova Paraisópolis também poderá ser acessada na internet. Para Gilson Rodrigues, isso permitirá que “o mundo” ouça a voz da favela paulista. “Vai ser muito bom a gente ter contato com nossos parentes no nordeste”, diz ele, que veio da Bahia ainda garoto cá.
O modelo pensado para a comunidade do Morumbi é o mesmo que já existe em Heliópolis, a maior favela da capital paulista, também localizada na Zona Sul. A primeira versão da “Rádio Popular de Heliópolis” surgiu em 1992, com cornetas instaladas em dois postes da favela, anunciando serviços, como campanhas de vacinação.
“A gente sempre prestou esse serviço para a nossa comunidade. É o dever de toda rádio comunitária. Quando alguém perde um documento e a gente acha, anunciamos aqui”, conta Rogério José da Silva, 28, locutor e produtor de vinhetas na rádio de Heliópolis. Nascido e criado na comunidade local, ele diz que a programação ajudou a jogar mais cultura na favela. “Divulgamos eventos gratuitos de cinema, teatro, dança. Muita coisa de graça e as pessoas daqui não sabiam.”
Em Paraisópolis, não deve ser diferente. “Queremos acabar com a visão pejorativa que algumas pessoas ainda têm sobre nossa comunidade. Essa é uma rádio comunitária e não mambembe”, afirma Joildo dos Santos, que promete dedicação total em sua estreia como locutor.