Em conversa com jornalistas durante o
voo entre o Siri Lanka e as Filipinas, em seu recente périplo pelo
Oriente Médio, o Papa Francisco, defendeu a existência de limites à
liberdade de expressão: "Quanto à liberdade de expressão, todos têm
direito de se pronunciar, mas sem ofender. Há um limite, toda religião tem sua
dignidade e não pode ser entregue à chacota". O Papa referia-se às
sátiras do Charlie Hebdo, mas é evidente que defendia uma tese:
todos — religiões e cidadãos — têm direito a que sua dignidade não seja
maculada. Esta é, aliás, também, a voz do Estado de direito democrático.
Mas o Papa-estadista vai em frente e afirma: “Se meu amigo
Gasbarri [seu médico acompanhante] ofender minha mãe, merece
um soco” (Carta Capital, ed. de 21 de janeiro, p. 24). Um soco ou um
tiro (ou vários tiros) integram o gênero agressão física; a distingui-los, a
intensidade do dano imposto; e ambos, o soco e o tiro, ferem a ordem legal.
São sabidamente diversas e imprevisíveis as reações humanas. Há
aqueles que, diante de uma injúria, silenciam (dando ou não a
outra face), e há os que respondem mediante a agressão física,
resvalando para o que a crônica policial encerra sob a denominação de as ‘vias
de fato’, que compreende desde o ‘soco’ prometido pelo Papa Francisco, ao
assassinato, ou mesmo a atos de pura barbárie como aquele de 7 de janeiro em
Paris. O direito à mais ampla liberdade de expressão, porém, tem como
contrapeso a mais ampla responsabilidade. Essa liberdade, contudo, só se
materializa quando a opinião livre encontra canais de manifestação. Só
pode ser punido pelo que diz ou escreve, ou desenha ou caricata aquele
que é livre para dizer e escrever o que quiser.
O direito de expressão deve ser livre e universal, isto é, comum a todos
os cidadãos. Esta é a regra, da qual se segue que todo cidadão tem
o direito de dizer o que quiser, sob as penas da lei, que não pode
impedir a manifestação do pensamento, mas tão-só punir o delito por
ventura decorrente dessa manifestação.
Ocorre que, diferentemente ao ‘direito à opinião’ (subjetivo), o direito
à expressão livre (de opinião) depende da existência de um veículo mediante o
qual a opinião seja expressada. Livre expressão subjetiva é igual a nada. A
liberdade de expressão se materializa na circulação das ideias.
A questão crucial é que a ‘liberdade de expressão’ não é universal, ou
seja, não é direito objetivo de todos, porque não somos igualmente sujeitos de
direitos, nada obstante tratar-se de uma promessa do art. 11º da
‘Declaração Universal dos Direitos Humanos’, da qual o Brasil é
signatário. A imprensa nativa -- para melhor dominar, como em um
evidente silogismo--, forceja por confundir liberdade de expressão com
liberdade de imprensa, quando esta, entre nós, está reduzida à liberdade
de as empresas proprietárias de meios de comunicação dizerem o que bem
entenderem, podendo, inclusive e livremente, ofender, distorcer, criar fatos e
acontecimentos, ou, ainda impunemente, construir e desconstituir
conceitos e honras, noticiando ou omitindo a informação.
Na sociedade de massas, real
(acontecido) não é o fato realmente ocorrido, mas o fato narrado pelos meios de
comunicação. Só existe o fato noticiado, mas não necessariamente como ocorreu,
mas sim como foi narrado, ou seja, como foi manipulado. Mas nem por isso
defendo o fechamento dessas empresas ou a proibição da circulação
ou emissão de sinais desses veículos. Gostaria de vê-los sujeitos às
leis do país (precárias, sim, mas são as que temos), como o Código Penal
e, principalmente, gostaria de ver regulamentadas as atividades das
empresas proprietárias dos veículos dependentes de concessão de serviço
público, como regulamentadas são todas as concessões de serviço público. No
Brasil, porém, os meios vivem erga Estado, ergalei,
senhores inatingíveis, habitando um mundo próprio.
Por que não regulamentar as concessões dos serviços de rádio e de televisão,
por excelência serviço público de interesse social?
A liberdade de expressão, ampla, para existir, pressupõe o acesso
de cada cidadão a um canal de expressão, ou seja um instrumento
mediante o qual possa expressar sua opinião, e expressar opinião não
é simplesmente emiti-la, é divulgá-la e essa divulgação exige um ‘veículo’.
O outro lado do direito à livre e ampla expressão é o direito à
informação, a toda informação, sem censura, no sentido mais amplo
possível. Essa ‘liberdade de informação’ é transmutada pela ideologia
dominante, a ideologia veiculada pelos grandes conglomerados de comunicação,
em ‘liberdade de imprensa’ que na verdade é apenas a liberdade de a
empresa informar (deformando) sem nenhum limite, ou código de ética, dependente
que é tão-só daqueles interesses ditados pela sua opção político-ideológica ou
político-partidária, ou seus negócios políticos ou comerciais.