Celso Augusto Schröder*
De novo, como nos grandes momentos políticos da História brasileira, houve duas Conferências Nacionais de Comunicação. A da vida real e a do mundo paralelo da grande mídia nacional.
A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) de verdade foi o resultado de uma exaustiva engenharia política desencadeada há mais de dois anos pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), imediatamente endossada pelos movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação e, num segundo momento, pelas as empresas de comunicações e telecomunicaçõ es do país. Foram as entidades sociais, junto com Associação Brasileira de Radio e TV (Abert ) e Associação Nacional de Jornais (ANJ) que reivindicaram ao Ministro das Comunicações Hélio Costa e realização da Conferência. As razões eram diferentes, mas apontavam para um único caminho. Para os movimentos sociais a Conferência dava a chance de finalmente atribuir algum sentido público para um dos sistemas mais concentrados e verticalizados do mundo. Para as empresas, era a chance de se reorganizarem, segundo seus interesses, em função da inexorável convergência tecnológica que imprime um novo modelo de negócio.
A Abert, ANJ e seus aliados abandonaram a Conferencia depois de instalada, e já com boa parte de seu regimento interno discutido e aprovado, com a nítida intenção de boicotá-la e deslegitimá-la. O que só não ocorreu devido à enorme participação popular pelo Brasil afora, com mais de duzentas conferências municipais, além das estaduais realizadas em todas as unidades da Federação, e a permanência do setor empresarial representado pela Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra ) e pela Associação Brasileira de Telecomunicaçõ es (Telebrasil) .
Nesta conferência real, houve um enorme esforço democrático. Os movimentos sociais demonstram além de uma tolerância ao extremo, um indiscutível espírito público. Por outro lado, as empresas que permaneceram conseguiram superar sua aversão por este tipo de debate público e participaram de todo o processo, com propostas qualificadas e dispostas, nos momentos mais difíceis, à negociação e ao entendimento. A euforia que tomou conta de todos no final, poder público, empresários e movimentos sociais representava a convicção de que estávamos fazendo história naquele momento. A aprovação por unanimidade da criação de um Conselho Nacional de Comunicação é a prova definitiva que entramos para uma nova era das políticas públicas de comunicação, onde as legislações e regulações não só são compatíveis com a liberdade de expressão, como são condições sine qua nom para a realização desta.
Na Confecom midiática, a do mundo paralelo, o que ocorreu foi o contrário. Segundo a versão deles, milhares de antidemocratas, depois de se articularem pelo país, promoveram uma grande e derradeira reunião em Brasília, convocada por um governo com história de tentativas autoritárias, para selar o fim da liberdade de expressão no país. Estes milhares de pequenos Goebbels se empenharam em aprovar uma série de propostas para inviabilizar a comunicação e , principalmente o jornalismo. Mancomunados, o poder público nacional, mais os movimentos sociais autoritários e os empresários, (sei lá, corruptos?) teriam construído uma base de políticas públicas que irão acabar com a democracia existente na comunicação.
É engraçada a comunicação e o jornalismo neste mundo paralelo do relato sobre o fato. As notícias são construídas a partir da opinião do dono da empresa e de seus representantes sem nenhum aporte de qualquer tipo de fonte, matéria básica do jornalismo. A mídia gaúcha, por exemplo, provinciana a ponto de localizar gaudérios até em terremotos no Uzbequistão, ignorou os quase cem delegados, entre empresários da área, movimentos sociais e poder público, do Rio Grande do Sul como possíveis fontes para construir as matérias onde detectaram o suposto fracasso da Conferência. Nem mesmo fazem referência ao homenageado do evento, Daniel Herz, ilustre jornalista gaúcho aplaudido por todos como referência nacional por sua luta histórica por uma comunicação mais democrática.
As raras notícias do mundo paralelo sobre a Conferência apenas repetiram uma idéia firmada desde a tentativa deste governo de criar uma agência reguladora do audiovisual, a Ancinave em 2006, reafirmada depois durante a tentativa dos jornalistas criarem seu conselho profissional. Nestas duas ocasiões, assim como havia acontecido no debate constitucional, os empresários dos meios de comunicação hegemônicos, construíram uma lógica inversa afirmando que a tentativa de regular a mídia tinha, na verdade, o objetivo de amordaçá-la. Claro, a História que se dane. Ignora-se que esta mídia surgiu e cresceu na e com a ditadura, desconhece-se os papéis antidemocráticos que exerceu durante a História recente do país, em episódios como o de Collor de Mello, por exemplo. Ignora-se os jornalistas, radialistas e trabalhadores das comunicações que foram presos, torturados e mortos na defesa desta liberdade de expressão que não é, em última análise, dos jornalistas ou dos donos do meios mas sim do cidadão, conforme consagrado nas cartas constitucionais de todos os países democráticos.
Mas, numa espécie de autocomprovaçã o, as matérias parciais, ideologizadas ou mal feitas dos grandes jornais, televisões e rádios apenas demonstram o quanto esta conferência era urgente e que, ao ser realizada, começa a inverter uma lógica implementada pelos meios de comunicação do relato negar ou ocultar o fato.