*Paulo Victor Melo
Denunciar
a manipulação e a violação de direitos pela mídia e anunciar a necessidade de
democratização dos meios de comunicação. Essa é a síntese do tema da
comunicação no Grito dos Excluídos deste ano, que tem como lema "Que país
é esse, que mata gente, que a mídia mente e nos consome?".
Ao chegar
a sua 21ª edição, o Grito dos Excluídos – manifestação popular realizada
anualmente desde 1995 – evidencia que o debate sobre comunicação é atual, diz
respeito ao caráter da democracia brasileira e, por isso, deve ser amplo, com a
participação de todos e todas.
E nada
melhor que os setores que organizam o Grito dos Excluídos – movimentos sociais,
organizações populares e coletivos de direitos humanos – para protagonizar esse
debate nas ruas de todo o País, durante o 7 de Setembro. Afinal, são esses
segmentos que, dia após dia, têm seus direitos violados pelos meios de
comunicação, em especial pela televisão.
Assistida
cotidianamente por 94% da população, segundo pesquisa da Fundação Perseu
Abramo, a televisão brasileira tem como um dos seus pilares justamente a propagação
de conteúdos que violam direitos de mulheres, jovens, idosos, negros e negras,
indígenas, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e população LGBT.
Dois
formatos são emblemáticos nesse sentido: os programas de auditório que exploram
conflitos pessoais e abusam da exposição das mazelas de pessoas em situação de
vulnerabilidade psicológica e social; e os programas policiais, que, com
base no discurso de ódio e do preconceito,incitam o crime e a violência, criminalizam a
pobreza, invadem domicílios e desrespeitam, de todas as formas, a dignidade humana.
Somam-se
a esse cenário comentaristas e apresentadores que, utilizando-se de espaços
públicos (é sempre importante lembrar que rádio e televisão são concessões
públicas), estimulam a “justiça com as próprias mãos” como saída para resolução
dos nossos conflitos sociais, comemoram ao vivo o extermínio da juventude negra
e defendem a redução da maioridade penal. Exemplos não faltam: José Luiz Datena, Marcelo Rezende,
Rachel Sheherazade, Luiz Carlos Prates e tantos outros pelo País afora.
E cabe
frisar: essa realidade de permanente violação de direitos humanos pelos meios
de comunicação tem como aliadas a omissão e a conivência do Estado brasileiro. O mesmo Estado que, como diz o lema do Grito dos
Excluídos, “mata gente”. Omissão e conivência que são verificadas, por exemplo,
no fato de o Ministério das Comunicações quase não se manifestar diante das
constantes violações ou no fato da legislação estabelecer 89 mil reais como
valor máximo para pagamento de multas pelas emissoras que violem direitos, uma
cifra irrisória para as principais redes de TV do País.
Mas não
encerram por aí a omissão e conivência do Estado que mata gente com a mídia que
mente. A permissão para que políticos com cargo possuam propriedade de radiodifusão, desrespeitando o artigo 54 da Constituição Federal; a permissão do oligopólio, também
em oposição ao que diz a Carta Magna; a ausência de regulamentação da
complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal; e a negativa em
garantir o conteúdo regional e independente na programação do rádio e da TV são
outros exemplos de como a relação entre Estado e meios de comunicação se
constituiu ao longo da nossa história.
Diante
disso, não restam dúvidas que, no dia em que se celebra a independência oficial
do Brasil, é preciso denunciar a mídia que mente e viola direitos e ampliar,
nas ruas, o coro dos que gritam por uma comunicação democrática. Só assim a
diversidade de vozes, cores e ideias existentes na sociedade, e que caracteriza
o Grito dos Excluídos, será refletida nos meios de comunicação.
*Paulo
Victor Melo é jornalista, doutorando em Comunicação e Política na Universidade
Federal da Bahia e integrante do Intervozes.