“O papel da regulação da
mídia na liberdade de expressão” é uma das questões mais discutidas no Brasil.
Um polo da debate se apoia no rechaço total pela mídia comercial e os seus
aliados políticos, que denunciam como “censura à imprensa” qualquer intento de
acabar com a gritante concentração de licenças de rádio e televisão no Brasil.
O outro polo da controvérsia articula-se num legalismo implícito da esquerda
que vê na aprovação de novas Leis de Mídias uma solução milagrosa para
democratizar a América Latina.
O papel do relator especial para a
Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA é
justamente ouvir e mediar entre as duas posições extremas. Esse cargo
atualmente é ocupado pelo Uruguaio Edison Lanza, e graças ao convite ao Centro
de Informação da ONU (UNIC Rio) em parceira com o Intervozes e outras
organizações, ele chegou para participar de uma mesa redonda no Rio de Janeiro
no dia 6 agosto.
Depois da apresentação da professora
Suzy dos Santos, da Escola de Comunicação da UFRJ sobre “A Liberdade de
Expressão na terra do coronelismo eletrônico” que se enfocou numa genealogia do
“filhotismo” e a “lógica clientelar patrimonial” na mídia brasileira chegou a
hora de Lanza pronunciar-se sobre o caso atual do Brasil. Lanza complementou a
fala da sua oradora anterior com a crítica a um grupo de atores chave mas até
esse momento um pouco ausente no debate: os Estados Nacionais da América
Latina. Para começar, o relator especial denunciou a omissão do Estado Brasileiro
frente a violência mortal contra dois jornalistas o que para ele não é um
problema isolado, mas “uma herança maldita em todo América Latina”.
Segundo Lanza, parte dessa
herança faz também um sistema altamente centralizado dominado por empresas de
mídia que, na América Latina do século 20, conseguiram estabelecer uma
“integração vertical perfeita” em clara contradição com os princípios da mídia
democrática. “É por isso que os governos progressistas do século 21
encontram-se numa situação complicada”, disse o relator, e “já que não puderam
começar do zero, o pecado original tinha passado,” na sua maioria recorriam a
duas reações. Segundo ele, um grupo de Estados, como por exemplo “Brasil,
Chile, Uruguai e de certa maneira Argentina” decidiram não fazer nada e
abraçaram a “mídia oficial” de ontem como a nova mídia oficial de hoje. Um
segundo grupo por enquanto, principalmente Equador e Venezuela, decidiram
“desmontar a estrutura midiática existente e estabelecer um sistema estatal de
controle”. Esse caminho é controverso porque produz “casos de censura” e
asfixia também a mídia independente. Sem que Lanza se pronunciasse
explicitamente sobre o caso das rádio comunitárias indígenas no Equador, elas
são um bom exemplo como um “Estado progressista” pode virar uma ameaça para a
liberdade de expressão.
Então, qual seriam caminhos
interessantes para sair desse dilema? O relator especial sublinhou quatro
dimensões para “contribuir para uma reflexão que gera mudanças”. Primeiro,
precisa-se de um rol ativo de organizações internacionais como a própria OEA
que, segundo Lanza, já conta com diferentes instrumentos de apoio e informes
para estimular o debate (ver embaixo). Além disso é importante a elaboração e
implementação de políticas públicas acompanhadas de uma vontade política. E por
último, são imprescindíveis “iniciativas que nasçam na sociedade civil, como as
coalizões amplas na Argentina e no Uruguai que puxaram a introdução de novas
leis de mídia”.
Também no Brasil existe uma
iniciativa que tenta criar uma coalizão ampla para tornar realidade um Projeto
de Lei de Iniciativa Popular (PLIP). Lanza parabenizou os representantes do
grupo pela sua iniciativa mas também pontuou que “não precisa-se esperar uma
lei perfeita” já que o Estado tem muitas formas para atuar antes no sentido de
melhorar a defesa da liberdade de expressão. Num país em que o Ministério das
Comunicações gosta de culpabilizar as leis pela sua não-atuação em defesa d@s
comunicador@s sociais, as propostas concretas do relator especial da OEA são
bem interessantes: pressionar o governo para usar medidas administrativas para
“criar reservas de espectro” para rádios comunitárias e “parar a criminalização
de radialistas” que transmitem sem outorga. O governo pode, pois por alguma
razão ele se chama “executivo”…
(por Nils Brock)