Um
exemplo de aplicação da desobediência civil por movimentos sociais são as ações
das rádios comunitárias, no contexto da luta pela democratização da comunicação
no Brasil. “Nós entendemos a comunicação como um direito humano e a partir
disso lutamos para que cada país garanta esse direito com suas leis e políticas
públicas. Em muitos países, como o Brasil, no entanto, esse direito é
criminalizado. Por isso defendemos que a população também exerça seu direito
humano à comunicação, que é garantido por acordos internacionais, como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a liberdade de expressão
e o direito à comunicação no seu artigo 19”, explica o jornalista Arthur
Willian, integrante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc).
Segundo
ele, no caso do Brasil, a desobediência civil é, de uma forma ou de outra,
utilizada por praticamente todas as rádios comunitárias, uma vez que a lei
criada para regulamentar a radiodifusão comunitária no país – a lei 9.612/98 –
coloca inúmeros obstáculos para o funcionamento das rádios comunitárias.
Segundo Arthur, hoje existem 10 mil rádios comunitárias operando na ilegalidade
no país. “A lei não veio no sentido de garantia e sim para restringir. Ela foi
feita sob medida para os empresários de comunicação, para que as rádios
comunitárias, que vinham crescendo naquele momento, ficassem limitadas,
virassem sinônimo de rádio pequena, pobre, de baixa audiência”, critica, para
em seguida enumerar os critérios da lei que, na prática, inviabilizam o funcionamento
das emissoras. “A lei diz, por exemplo, que as rádios comunitárias devem operar
fora das frequências das rádios comerciais, que vai de 88 MHz até 108 MHz no
Brasil e em boa parte do mundo. Então, a maioria dos aparelhos nem pega
frequências fora desse espectro. No Brasil as rádios comunitárias, pela lei,
funcionariam em 87,5, 87,7, 87,9 MHz. Ou seja, elas foram feitas para que
ninguém as ouça”, avalia. Além disso, a lei obriga que as rádios comunitárias
operem com transmissores de, no máximo 25 W de potência – 10 mil vezes menor do
que a de uma rádio comercial – e um km de alcance. “Posso ter uma comunidade
como uma favela pequena em que uma rádio com 25W e um km de raio sirva, mas se
eu tenho uma comunidade indígena ou quilombola, ou mesmo uma cidade que não
tenha nenhuma emissora, como Arraial do Cabo [RJ], por exemplo, isso não é
suficiente”, explica. A lei proíbe ainda que as emissoras comunitárias veiculem
publicidade comercial o que, para Arthur, reflete o receio das emissoras
comerciais de perderem anunciantes para as comunitárias. “Quase todas fazem a
publicidade do comércio local, porque o pequeno comerciante não tem dinheiro
para anunciar nas grandes rádios. A rádio comunitária poderia ser um veiculo de
incentivo à economia local, mas mesmo o pequeno anunciante não pode pela lei
anunciar. Para que a rádio e o comércio local não morram, as rádios anunciam
publicidade do comércio local e são perseguidas por causa disso, têm que pagar
multa de R$ 5 mil e muitas vezes têm sua licença cassada”, argumenta.
Nesse
contexto, diz Arthur, são frequentes os casos de rádios comunitárias que são
levadas a descumprir o que diz a lei para conseguirem funcionar. Arthur explica
que o uso de transmissores mais potentes, a transmissão em faixas de frequência
proibidas pela lei e também a operação sem licença do poder público — uma vez
que em muitos casos os processos de legalização demoram mais de dez anos para
serem concluídos — são estratégias adotadas pelas rádios comunitárias para se
manter em funcionamento, ainda que à revelia da lei.