No Brasil, as rádios livres começaram a aparecer nos anos setenta, numa época em que o regime militar estava em vigor e os meios de comunicação de massa estavam, de forma predominante, nas mãos de pessoas ou grupos privilegiados com a concessão de canais, por decisão unilateral do Poder Executivo Federal.
A primeira experiência foi a da Rádio Paranóica, de Vitória (ES), em outubro de 1970. Seus idealizadores eram dois irmãos, na época com quinze e dezesseis anos de idade. O mais novo foi preso tido como subversivo, coisa que ele desconhecia oque significava. Seu interesse era apenas fazer rádio. Ela surgiu com o slogan “Paranóica”, a única que não entra em cadeia com a Agência Nacional.” Apesar de ter sofrido intervenção, voltou a funcionar em 1983 e continua no ar, com nome de Rádio Sempre Livre. Depois surgiria a Rádio Spectro, de Sorocaba (SP), em 1976. A imprensa informou que essa cidade chegou a ter mais de quarenta emissoras desse tipo no início da década de oitenta. Outra pioneira, em 1978, a RCG-Rádio Globo de Criciuma (SC).
Quando da “abertura lenta, gradual e segura” do regime militar, mais no final da década de setenta e no início da seguinte, elas passariam a desenvolver-se com maior intensidade, disseminando-se em muitas cidades brasileiras. A capital paulista contava com dezenas delas em 1985, criando-se até uma Cooperativa dos Rádio-Amantes. Os nomes eram curiosos. Rádio Totó, Rádio Ternura, Rádio Xilik, Rádio Trip, Rádio Livre-Gravidade. De 15 de maio a 19 de junho de 1987, também funcionou a Rádio TX 107,3, na Biblioteca da Universidade Federal do Espírito Santo, operada por alunos do Curso de Comunicação Social.
Num primeiro momento, as rádios livres eram constituídas por jovens interessados, antes de tudo, em praticar a arte da radiofonia, pouco ou nada envolvidos com “grandes causas” sociais ou políticas. Em muitos casos, tratava-se de “uma curtição de roqueiros, como aconteceu em 1983, quando a cidade de Sorocaba foi palco de uma simpática eclosão de rádios ilegais, realizada por garotos cansados da mesmice das freqüências moduladas oficiais.(...) Eles se diziam apolíticos. O negócio era muita música, uns recados para a sogra e umas paqueras radiofônicas” Depois, também se instalariam emissoras mais sensíveis à questão da centralização dos meios de comunicação, bem como à problemática sócio-econômica do País, embora continuassem preponderando o senso de ironia e a preocupação em ousar. Dizia um pequeno manifesto da Cooperativa dos Rádio-Amantes: “Nós iniciamos um movimento de reforma agrária no ar. O rádio é uma conquista técnica da humanidade e não pode ficar nas mãos (...) de proprietários/concessionários”. Ou uma locução da Rádio Xilik, em 20.07.1985: “Eles têm medo dos velhos pôr suas memórias. Eles têm medo dos jovens por sua inocência. Eles têm medo dos trabalhadores, (...) da ciência, dos músicos, (...) dos filósofos, (...) da democracia. Por que vamos ter medo deles?”. Ou, ainda, uma declaração da Rádio Ítaca: “O cotidiano - e não o Estado - é o local escolhido para nossos delírios/desejos. (...) Não temos compromissos de gênero global.(...) Nada de relações viciadas. Queremos comunicar”.
Também houve experiências de rádios em sindicatos e nos movimentos comunitários. Os bancários de São Paulo, que em 1981/1982 haviam adquirido prática com o sistema de alto-falantes móveis, puseram no ar, em 1985, a Rádio Teresa, com 120 watts de potência. Em Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital paulista funcionou a Rádio Patrulha, que passou o microfone à comunidade. De 14 de julho de 1990 a 03 de abril de 1992 funcionou a Rádio Livre Paulicéia, em Piracicaba (SP), com dez watts de potência, sem fins lucrativos, de propriedade dos moradores do bairro e gerida por um conselho coordenador escolhido pelo voto. Ela atuava com base em decisões tomadas por uma assembléia composta de 120 pessoas que discutia sobre seu papel e sua programação, entre outros assuntos. Contava com a participação intensa da comunidade, tanto nas deliberações como na produção dos programas, recebendo de trinta a quarenta telefonemas diários com sugestões, recados e perguntas. Cedia espaços para os católicos (pastoral da juventude, movimento carismático), os evangélicos, as crianças, os grupos de desempregados, conjuntos de rapp etc. Predominava a música black. As notícias, que eram da cidade, iam ao ar no Jornal da paulicéia. Faziam-se transmissões ao vivo. Ficando no ar até por 120 horas semanais, chegou a ser a emissora mais ouvida na cidade. Mas, como era previsível, acabou sendo fechada e interditada pela polícia federal.
Cicilia M.Krohling Peruzzo
http://bocc.ubi.pt/pag/peruzzo-cicilia-radio-comunitaria-br.pdf