Dirigentes de rádios comunitárias, como o
cuiabano Geremias dos Santos, garantem que, depois de criar lei que autoriza
funcionamento dessas emissoras, o Governo Federal se esqueceu de garantir
financiamento público para sua atuação, já que são proibidas de comercializar
seus horários. Donos grandes emissoras comerciais, como o jornalista José
Carlos Dias, da Band FM de Tangará da Serra, acusam as comunitárias de
concorrência desleal e criminosa. Por isso, é fácil constatar que as rádios
comunitárias continuam sendo um verdadeiro paradoxo na Frequência Modulada no
ares do Brasil, e também de Mato Grosso.
As comunitárias surgiram depois de
movimento liderado pela juventude, na década de 90, em Sorocaba, São Paulo,
tendo se espalhado por todo o Brasil. Resultado desse movimento, surgiu a
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço. Após a disseminação
tecnológica e com a sanção da Lei 9612/98, a Abraço encampou a missão de
disseminação do Serviço de Radiodifusão Comunitária – Radcom, em todo o
território brasileiro.
Mas a lei não atendeu completamente
aos interesses do movimento. Como no caso do transmissor, por exemplo. Ao invés
de 250 watts, que é o desejado pelos radialistas das comunidades, é permitido
que utilizem apenas aparelhos com 25 watts de potência. Outra reivindicação é
pela manutenção de pelo menos três frequências de rádio por município.
Atualmente, se permite apenas uma.
Em Mato Grosso, os primeiros
transmissores foram colocados no ar em 1996, em Cáceres, Várzea Grande, Vila
Rica, Jaciara e Dom Aquino. Atualmente, o Estado conta com 95 comunitárias
regularizadas, segundo a Abraço. Só em Cuiabá são quatro, presentes nos bairros
CPA 2, Centro, Coxipó e Coophamil. No município vizinho de VG são três
emissoras. Todas funcionam na mesma frequência: 105,9.
Na lei não foi aprovado o financiamento
público das rádios comunitárias. Também não há destinação de mídia do governo
para as rádios. “Depois que foi aprovada essa lei, as lutas foram para que se
tornasse realidade o reconhecimento das rádios comunitárias e também o
financiamento público delas, porque eles proíbem a comercialização nas
comunitárias. Quer dizer, aprovaram uma lei pra matar de fome as rádios”,
argumenta Geremias dos Santos, que é fundador e um dos diretores da Rádio
Comunitária CPA FM, na capital.
Geremias se aproximou do movimento
quando atuava como dirigente do movimento sindical dos programadores de dados.
A Rádio CPA FM foi fundada basicamente pelo movimento social, no dia 31 de
janeiro de 1998, contando com o apoio de sindicatos e associações da Grande
Cuiabá. Outra pioneira é a Alternativa FM, de Várzea Grande.
Geremias conta que a margem de lucro é
mínima. “Dá pra sobreviver por questões ideológicas, mas a realidade é a
seguinte: somos mais de 450 rádios outorgadas no Ministério das Comunicações.
Em Mato Grosso há mais comunitárias do que rádios comerciais, embora os
recursos não sejam destinados para essas rádios”, relata.
A programação da CPA FM é sustentada
por pessoas da comunidade de forma voluntária. “Nós não temos profissionais,
mas com o tempo, eles vão estudando e se formando. Temos várias pessoas que
passaram por aqui que hoje são jornalistas ou radialistas, a rádio acaba sendo
um laboratório. É o caso do Clayton Sete, que hoje é técnico de destaque nos
modernos estúdios de som da Centro América FM e foi formado por nós, aqui em
nosso modesto CPA”, conta Geremias.
O sindicalista também é programador da
rádio e se orgulha em fazer parte de uma emissora que, segundo diz, contribui
cotidianamente com a comunidade, atendendo ligações de moradores que fazem
críticas e dão opiniões e buscam soluções para seus problemas e também acesso à
diversão musical rápida e barata. O controle da rádio é feito totalmente pela
comunidade.
A única fonte de renda da CPA FM vem
dos apoios culturais de comerciantes basicamente da região e da administração
do prefeito Mauro Mendes. “Aqui pagamos aluguel, energia, água, telefone e
internet, mas as dificuldades da nossa rádio são as mesmas que se observam em
todo Brasil”, assegura Geremias que relata uma despesa de três mil por mês para
manter a CPA. “Estamos aí, brigando pra sobreviver”, completa.
A diferença entre as rádios comerciais
e comunitárias são grandes, principalmente pela estrutura financeira, mas
Geremias garante que nas comunitárias o espaço de participação dos ouvintes é
maior. Outro ponto a ser destacado, é o espaço para cultura mato-grossense que
ocupa, no mínimo, 30% das programações. “Aqui tem programas culturais, o tempo
todo, a rádio toca músicas locais, divulga os artistas do bairro, da cidade.
Não tem comparação com o que acontece nas rádios comerciais, que reproduzem
programação enlatada, importada dos grandes centros, para diminuir seus
custos”, critica.
O principal programa cultural da Rádio
CPA FM é o “É Bem Cuiabano”, liderado pelo casal de professores Valentim e
Marlene, que apresenta o programa no linguajar cuiabano, de terça à
quinta-feira, das 20 h às 22h, com destaque para o rasqueado e outros ritmos
regionais. Também pontificam na grade o “Jornal Bem Comum”, apresentado pelo
jornalista e poeta João Bosco, todas as manhãs às 7h, o programa comunitário de
Wildes Tadeu,a partir das 8h, seguindo-se o Opinião, comandado pelo próprio
Geremias, o que resulta numa manhã toda de programação ao vivo.
A rádio comunitária do CPA tem servido
de tema para trabalhos de conclusão de curso nas faculdades de Comunicação
Social e até de mestrado. Essa procura tem resultado na proposta de uma
parceria com os estudantes para que seja criada uma estatística de audiência da
emissora. “Não implementamos ainda porque é muito caro, falta garantir o apoio
cultural para o projeto”, explica.
Muitos dos problemas que as
comunitárias enfrentam se devem, na avaliação do Geremias, à grande perseguição
por parte da Anatel que, em suas frequentes fiscalizações, acaba aplicando
multas altas. “A Anatel e o Ministério não se posicionam”, critica o
sindicalista, porque ainda há muitas rádios clandestinas em Cuiabá, e essas
repartições nada fariam para que isso tenha fim.
“Tem muitas rádios em situação
completamente irregular, a maioria controladas por evangélicos, são mais de
dez, com pregação religiosa 24 horas por dia, isso tinha que ter um freio, mas
essas a Anatel não enxerga”, reclama.
Outra insatisfação é o fato da Rádio
Metrópole, que tem sede localizada no centro de Cuiabá, atuar na mesma
frequência 105,9. Pelo que informa Geremias trata-se de rádio arrendada pela
Fecomércio – Federação do Comércio de Mato Grosso. “Rádios comunitárias não
podem ser arrendadas porque deixam de ser rádios comunitárias. A fiscalização
deveria agir com rigor, neste caso, mas não age”, questiona.
A Lei exige que toda rádio comunitária
seja comandada por moradores da localidade em que tem sua sede e deve dar
oportunidade à difusão de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos
sociais da comunidade, sem fins lucrativos. “Rádio comunitária é do povo, Essa
rádio controlada pela Fecomércio deveria ser cassada”, protesta Geremias com
relação à Rádio Metrópole.
Informações:
Diário de Cuiabá