Por Marcelo Delfino
Na história das rádios comunitárias e/ou livres da
década de 1990 da cidade do Rio de Janeiro, o capítulo mais destacado cabe à
extinta Progressiva FM 91,3, emissora que tinha sede e torre no Complexo da
Maré. A emissora era tocada por uma equipe de ativistas sociais, que tinham
Wladimir Aguiar à frente.
A Progressiva FM tinha um alcance excepcional. Além de
atingir facilmente com sinal local todo o bairro de Bonsucesso, a rádio chegava
com diferentes níveis de sinal a lugares distantes como outros bairros da Zona
Norte que margeiam a Avenida Brasil, a Ilha do Fundão, Pilares (de onde eu
ouvia a emissora), Inhaúma e alguns pontos de São Cristóvão, Centro, Rio
Comprido, Tijuca, Maracanã e Praça da Bandeira.
Tenho aqui um texto que coloquei na definição da
comunidade da Progressiva FM que criei no Orkut:
Nos anos 90, houve uma rádio no bairro carioca de
Bonsucesso, na freqüência FM 91,3. Chamava-se Progressiva FM, e foi a melhor
rádio rock que esta cidade teve nos anos 90. A rádio foi extinta.
Dificilmente teremos a Progressiva FM no ar novamente.
Pode ser que ela volte em breve, como web radio. De qualquer forma, fica aqui
este espaço para todos os profissionais e ouvintes daquela rádio vanguardista
lembrarem daqueles dias heróicos em que tínhamos uma rádio de verdade, de rock
de verdade.
De fato, a programação da Progressiva FM foi a melhor do
gênero em sua época. Era melhor até que a Fluminense FM, nos anos que
coincidiram o início da Progressiva e o fim da Fluminense. A Progressiva tinha
a vantagem da independência total, por não ter ezecutivos tacanhos como os que
mataram a rádio niteroiense várias vezes. A planilha da rádio era vasta e
variada. A ponto de ter incluído uma música de uma banda de rock cristão: a
música Abrir os olhos, do Resgate. Apesar do nome, a emissora não transmitia
apenas música progressiva. Apresentava todos os estilos de rock. Dos medalhões,
passando por nomes indies daqui e do exterior, bandas artisticamente
relevantes, os grandes nomes do rock brasileiro até as boas novas bandas
brasileiras da época. A rádio de fato tocava todas as boas gravações de bandas
independentes que chegaram lá, muitas vezes em fitas demo cassete.
A rádio tinha programas diários e programas semanais
dedicados a segmentos específicos. O mais destacado era o Artigo 5º, só com
bandas independentes. O nome do programa fazia alusão ao Artigo 5º da
Constituição, que tem eu seu item IX:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
Vários radiodifusores de rádios autenticamente
comunitárias pelo país afora usam até hoje esse texto (especialmente a
expressão independentemente de censura ou licença) como motivo para colocarem
essas emissoras no ar, mesmo na condição de rádios piratas.
Eu ouvia constantemente esse programa Artigo 5º. O
programa era literalmente sem censura. Jogavam ouvintes no ar ao vivo, sem
fazer distinção entre os ouvintes. Cheguei a entrar no ar ao vivo, para debater
com Wladimir e os outros integrantes do programa a compra e o arrendamento de
emissoras de rádio oficiais pelo país afora, já naquela década. Tema que surgiu
numa das edições do programa. Também entrei no ar para debater sobre o circuito
de rock independente da cidade.
Por algum motivo ainda não esclarecido, a Progressiva FM
aumentava a sua potência uma vez por semana, exatamente no horário de 20 a 22h
das quintas-feiras, que era o horário do Artigo 5º. O sinal da rádio aumentava
tanto que eu a sintonizava com sinal local em Pilares, não com sinal raquítico
como de costume. Invariavelmente o Artigo 5º se estendia além do seu horário.
Teve edição que acabou quase à meia-noite. Era até curioso ouvir a rádio
baixando a potência depois do programa. Até o volume de som diminuía.
Para cumprir sua função de rádio comunitária, a
Progressiva FM fazia parceria com associações de moradores do Complexo da Maré
e com outras entidades que atuavam ali. A rádio não tinha comerciais. No lugar
deles, colocava campanhas e mensagens educativas. Havia uma que recomendava
explicitamente a substituição da margarina por manteiga, por ser mais saudável.
A Progressiva FM entrou no ar antes mesmo do fim da
Fluminense FM (1994). A Progressiva FM acabou virando, obviamente, a nova rádio
rock do Rio, pra quem podia sintoniza-la. Surgiu sem fazer propaganda. Só o
barulho característico dos rocks que transmitia. Houve uma época em que agentes
da Anatel diziam que era "questão de honra" achar e fechar a
Progressiva FM. Só que não conseguiram. A rádio saiu do ar cerca de oito anos
depois de entrar no ar. Foi extinta na mesma época em que a Rádio Cidade foi
arrendada pelo projeto "Rede Rock" da 89 FM paulistana.
O próprio Wladimir deu a sua versão sobre o fim da rádio
no Orkut:
Sonho acabou, isso mesmo, foi um sonho pensar que
poderímos manter no ar uma emissora tão idependente quanto a Progressiva FM.
Não foi a PF, a Anatel ou a pressão das outras emissoras, e sim o tempo,'time
for money'.
Foi como um amor de verão curtido intensamente que durou
8 anos.
Sobrou na equipe apenas eu e a Alyne Fernandes, e
resolvemos desaparecer do dial da mesma forma que surgimos, misteriosamente.
Mantivemos a Progressiva FM no ar por mais de 8 anos com
recursos próprios, era a resistência undergound no dial carioca, participamos
de momentos históricos como a tomada da reitoria da UFRJ, fomos citados em
vários veículos de comunicação como a voz do submundo, várias bandas que hoje
fazem sucesso deixaram sua fitinha demo lá.
Chegamos a ser a nº 1 na lista da Polícia Federal para
ser fechada, para a Anatel era questão de honra lacrar a Progressiva FM,
resistimos até o fim sem sair do ar, nunca conseguiram nos pegar.
Encerramos nossa programação no auge de audiência, com a
consciência do dever cumprido.
Este é um breve histórico da saudosa Progressiva FM.
Sinceramente, eu gostaria que a situação do dial carioca fosse completamente
diferente, hoje. A situação só piora, desde o início da década de 1990. As
rádios cariocas, sejam grandes, comunitárias ou piratas, estão quase todas
entregues à politicagem, à Música de Cabresto Brasileira, ao jabá musical,
jornalístico e esportivo e à picaretagem gospel.