São Paulo – Ao fim de três dias de discussões, o 2º Encontro
Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC) aprovou na tarde do domingo (12)
documento, com o título Carta de Belo Horizonte, no qual reafirma a luta
pela democratização da comunicação como pauta aglutinadora e transversal, além
de conclamar entidades e ativistas a unir forças para pressionar o governo a
abrir diálogo com a sociedade sobre a necessidade de regular democraticamente o
setor no país.
O encontro, realizado em Belo Horizonte, contou com 682 inscritos,
entre ativistas, estudantes, militantes, jornalistas, estudiosos e
pesquisadores da comunicação, representantes de entidades e coletivos e
autônomos do país. Rosane Bertotti, coordenadora do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), que organizou o evento, disse que o
encontro “mostrou que a luta por uma comunicação democrática, inclusiva, plural
está mais ativa e é mais necessária do que nunca. E mais do que isso, que os
movimentos estão dispostos a cobrar do governo que paute essa questão e coloque
na agenda dos debates estratégicos para o país".
Confira a íntegra da carta:
Carta de Belo Horizonte
Regula Já! Por mais democracia e mais
direitos
Nós, ativistas pelo direito à comunicação, militantes das mais
variadas organizações do movimento social brasileiro (sindical, juventude,
cultural, estudantil, moradia, do campo e da cidade, mulheres, negros, LGBT,
meio ambiente, academia, ativistas digitais, trabalhadores da comunicação
etc.), presentes em Belo Horizonte no 2º Encontro Nacional pelo Direito à
Comunicação, organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação,
que reuniu quase 700 pessoas vindas das cinco regiões do país, demos mais uma
demonstração de força e unidade do nosso movimento. Durante três dias debatemos
propostas e projetos, trocamos experiências e construímos coletivamente uma
estratégia comum de luta pela democratização da comunicação.
A defesa da democracia é uma das principais bandeiras de luta da
sociedade brasileira. E a construção de uma sociedade efetivamente democrática
só se realiza se houver liberdade de expressão para todos e todas, o que
pressupõe a garantia do direito à comunicação. Reafirmamos, nesse sentido, que
o Brasil precisa enfrentar o desafio de atualizar os instrumentos de regulação
democrática dos meios de comunicação. Nos mantemos mobilizados, nas ruas e
redes, para exigir que o governo cumpra o seu compromisso de abrir publicamente
esse debate com a sociedade.
Em um momento em que o povo brasileiro e suas instituições
democráticas enfrentam uma conjuntura política e econômica adversa, mais do que
nunca, levantamos a bandeira: Regula Já! Por mais diversidade e pluralidade de
vozes na mídia.
A direita brasileira derrotada nas eleições presidenciais sai às
ruas defendendo a quebra da legalidade democrática. Nesse cenário, a mídia
privada manipula a informação, distorce os fatos, fabrica crises, invisibiliza
temas e criminaliza movimentos e atores sociais progressistas. O principal
porta-voz desse discurso – a Rede Globo de Televisão – completa 50 anos em
abril dando provas da sua falta de compromisso com o interesse público e com a
democracia.
O Congresso Nacional, o mais conservador desde a ditadura militar,
tem mostrado que a agenda da direita (redução de direitos trabalhistas,
sociais, ataque aos direitos humanos) dará a tônica da atividade legislativa. O
próprio presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, afirmou que qualquer
projeto de regulação dos meios de comunicação só será encaminhado para votação
por cima do seu cadáver. Nesta mesma linha, o Poder Judiciário continua agindo
de forma seletiva e parcial, refratário à agenda da democratização da
comunicação, blindado pela caixa preta de sua estrutura institucional
inquestionável.
A Presidenta Dilma Rousseff – que só foi eleita porque assumiu o
compromisso de adotar políticas que aprofundassem direitos sociais e
democráticos, com uma plataforma de reformas estruturais – dá sinais
contraditórios de que essa agenda será aplicada.
Neste cenário, é preciso buscar uma ampla unidade dos movimentos
sociais para barrar a direita e pressionar o governo, exigindo o cumprimento
dos compromissos firmados. Lutas de cunho democrático, como a Reforma
Política com o fim do financiamento empresarial das campanhas; a taxação de
grandes fortunas; a defesa da Petrobras; o combate às terceirizações; contra a
redução da maioridade penal; em defesa dos direitos dos indígenas; do meio ambiente;
contra o extermínio da juventude negra; pela reforma agrária e urbana; pelos
10% do PIB para a educação e a defesa do SUS, precisam ser abraçadas pelo
conjunto dos movimentos populares, entre eles o da comunicação. Nossa luta é
por Mais Democracia e Mais Direitos!
No campo da comunicação, os desafios são ainda maiores, já que nos
últimos 12 anos o governo não enfrentou essa pauta de forma estruturante. As
importantes conquistas que foram a criação da EBC, a aprovação das leis de
Acesso à Informação, regulação da TV por Assinatura (SeAc) e o Marco Civil da
Internet, só foram possíveis em função da intensa mobilização social. No
restante, o sistema permanece praticamente inalterado, caracterizado por uma
forte concentração econômica e ausência de diversidade e pluralidade. O
Capítulo V da Constituição Federal de 1988, da Comunicação Social, segue sem a
regulamentação que garanta a sua aplicação. E a principal legislação da
radiodifusão, o Código Brasileiro de Telecomunicações, já tem mais de 50 anos.
O novo ingrediente desse cenário é que a Presidenta Dilma Rousseff
e o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, têm dado declarações públicas
de que a pauta da regulação dos meios de comunicação será tratada neste
mandato. É imperativo cobrar que esse discurso seja transformado em
prática. De outro lado, o setor empresarial segue na sua cruzada para impedir
que esse debate aconteça. Continua usando a mesma e velha tática de distorcer
essa discussão, tachando qualquer tipo de regulação como censura.
Por isso, é indispensável ampliar a mobilização e pressão da
sociedade para destravar esta agenda. Desde a 1ª Conferência Nacional de
Comunicação, temos ampliado a base social e consolidado propostas para um novo
marco regulatório das comunicações. A principal delas é o Projeto de Lei de
Iniciativa Popular da Mídia Democrática, que em 33 artigos delineia um novo
cenário para a comunicação no país. Inspirada nos tratados internacionais já
ratificados pelo Brasil e em experiências regulatórias de países como França,
Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Espanha e outros, a Lei da Mídia
Democrática propõe mecanismos de implementação dos dispositivos
constitucionais. Durante o 2º ENDC, reafirmamos essas propostas e a importância
da estratégia de luta em torno da Lei da Mídia Democrática com a presença de
convidados internacionais vindos do Canadá, Argentina e Uruguai.
O trabalho de coleta de assinaturas para a Lei da Mídia
Democrática e a divulgação de seu conteúdo para setores mais amplos da
sociedade devem ser intensificados. Mas, além disso, precisamos avançar também
em outras frentes, como o fortalecimento do sistema público de comunicação; o
fim da criminalização das rádios comunitárias e da mídia popular e alternativa
(do campo e da cidade), com a criação de mecanismos para incentivar e fomentar
a sua valorização; a universalização da Banda Larga; a garantia do respeito ao
Marco Civil da Internet; a implantação dos Canais da Cidadania; a criação dos
Conselhos de Comunicação nas três esferas da Federação; a defesa da
Classificação Indicativa; o respeito aos direitos humanos nos meios de
comunicação; a defesa do direito de resposta; o fim das concessões para os
políticos; o combate ao arrendamento e transferência ilegal das outorgas; a
democratização da distribuição das verbas publicitárias; mecanismos de
incentivo à produção regional e independente (retomada da campanha Quero Me Ver
na TV); o fortalecimento de políticas para a promoção da diversidade cultural e
informativa (pontos de cultura e pontos de mídia livre) e de educação para a
mídia; a defesa do software livre. Enfim, um conjunto de medidas urgentes que
desde já podem ampliar o Direito à Comunicação e a verdadeira Liberdade de
Expressão para todos e todas em nosso país. Todas as vozes, todas as cores,
todas as ideias!
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e
demais entidades que participaram do 2º Encontro Nacional pelo Direito à
Comunicação convocam todos e todas comprometidos com essas bandeiras a se
juntarem a nós nessa luta.
Não haverá uma verdadeira democracia em nosso país sem uma
comunicação democrática.