Ação no STF pede
inconstitucionalidade de outorgas concedidas a emissoras controladas por
políticos; Radiodifusores eleitos também precisariam abandonar o controle de
emissoras antes de tomar posse
Por Carlos
Gustavo Yoda
Nesta
segunda reportagem da série sobre os “coronéis da mídia”, vamos mostrar o que
diz a legislação brasileira sobre o controle de emissoras de rádio e televisão
por políticos e o que pode e vem sendo feito pelas organizações de defesa do
direito à comunicação acerca das ilegalidade praticadas.
Desde
2011, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação, intitulada Arguição por
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), elaborada pelo Intervozes, em
parceria com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que pede a declaração de
inconstitucionalidade à concessão de outorgas de radiofusão a emissoras controladas
por políticos. A arguição - “acusação”, para desembrulhar o juridiquês, também
afirma que, desde a posse, os parlamentares não podem mais ser proprietários,
controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato
com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada.
Assim, defende como inconstitucional o ato de posse desses radiodifusores
eleitos, pelo fato de os mesmos não terem deixado, antes, o controle de suas
emissoras.
A base da
ADPF 246 é o artigo 54 da Constituição, que aponta, em seus dois primeiros
parágrafos, como fundamento da República, que deputados e senadores não podem
firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de
serviço público. Além deste artigo, a ação também entende que a prática do
coronelismo eletrônico viola o direito à informação (artigo 5º e 220 da
Constituição Federal), a separação entre os sistemas público, estatal e privado
de comunicação (art. 223), o direito à realização de eleições livres (art. 60),
o princípio da isonomia (art. 5º) e o pluralismo político e o direito à
cidadania (art. 1º).
Além da
Constituição Federal, o artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações,
principal lei de rege o setor, aponta, em seu parágrafo primeiro, que não pode
exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou
autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade
parlamentar ou de foro especial.
No
entanto, a ADPF cita mais de 40 deputados federais e senadores, da atual
legislatura, que controlam diretamente pelo menos uma emissora de rádio ou
televisão em seu estado de origem. A tese da ação aponta diferentes órgãos como
responsáveis pela ilegalidade. Em primeiro lugar, o Ministério das Comunicações
e a Presidência da República, por concederem outorgas a empresas que não
poderiam recebê-las e pela omissão na fiscalização das emissoras; o Congresso
Nacional, também responsável pela autorização e renovação das outorgas e pela
diplomação dos parlamentares; e o Poder judiciário, também responsável pela
diplomação de candidatos eleitos.
O STF
ainda não se manifestou sobre o tema, mas já coletou a manifestação dos órgãos
envolvidos. Em parecer enviado ao Supremo, o Senado afirma que o entendimento
de sua Comissão de Constituição e Justiça é de que os contratos de concessão e
de permissão de radiodifusão enquadram-se na incompatibilidade constitucional
prevista pelo artigo 54, II, “a”. Deputados e senadores não poderiam, portanto,
ser proprietários e controladores de pessoas jurídicas prestadoras do serviço
de radiodifusão pois estas gozam do benefício decorrente da celebração de
contrato com pessoa jurídica de direito público – no caso, a União.
Em parecer
sobre a ADPF solicitado pelo Intervozes aos juristas Gilberto Bercovici,
professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Airton
Serqueira Leite Seelaender, professor adjunto da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina, eles afirmam que o ordenamento jurídico
brasileiro deixa claro que há um dever estatal de impedir a oligarquização do
regime democrático, de combater a oligopolização do setor e fomentar o
pluralismo na mídia, destacando “a importância de preservar o dissenso na
radiodifusão”. Bercovici e Seelaender afirmam que as práticas expostas na
denúncia apresentada ao STF representam “clara burla à Constituição”.
A posição
da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal
(MPF), também é de que os detentores de mandatos não podem direta ou
indiretamente ter vínculo societário em empresas que detêm concessão de
radiodifusão.
“Sem meias
palavras, uma das grandes tragédias da comunicação social no país é o fato dos
parlamentares terem o controle gerencial dessas empresas. É um poder que
retroalimenta o controle político”, pontua o procurador Regional da República
no Rio Grande do Sul, Domingos Sávio da Silveira. “O que me parece mais grave é
o poder de gestão que esses clãs políticos exercem sobre concessões [de
radiodifusão]. E mais do que isso, como o fato de ser parlamentar tem ao longo
da história feito com que as concessões sejam dirigidas a empresas que estão
sob o controle indireto desses parlamentares”, acrescenta.
Para
Silveira, quando grupos políticos controlam as emissoras acontece a distorção
direta do processo político. “É a falsificação da democracia. A opinião pública
é construída pela mídia. Se frauda a democracia quando, através da utilização
desigual de uma concessão, se consegue uma visibilidade incomparável em relação
aos outros candidatos”, explica.