Ela não nasceu hoje. A bem da
verdade, ela sempre existiu para dar vazão às ideias não hegemônicas, para
denunciar os poderosos, para dar visibilidade aos excluídos. Desde o tempo do
linotipo, do mimeógrafo, passando pelo rádio amador e pela radiodifusão comunitária. Em tempos de internet, ela
ganhou escala e alcance nunca antes possíveis em função das barreiras
econômicas que o modelo de negócio da comunicação impunha.
A mídia alternativa vem se
tornando referência e assumindo papel determinante para divulgação de fatos e
acontecimentos que são omitidos pela mídia hegemônica. É essencial para a
disputa de ideais e valores na sociedade e está cada dia mais pulsante e viva.
Conforme a web foi se
desenvolvendo, foram surgindo novos mecanismos de distribuição de conteúdos. Os
setores historicamente excluídos do debate público, estruturalmente
invisibilizados pela mídia hegemônica, começaram usar a internet para se
comunicar, para contar suas próprias histórias, para manifestar sua opinião
sobre acontecimentos e, inclusive, contradizer o que a mídia divulgava como
“verdade”.
Os microblogs, depois os
blogs, as primeiras redes sociais e a possibilidade de se criar plataformas
digitais para distribuir conteúdos produzidos de qualquer lugar do Brasil
fizeram nascer um novo ecossistema de comunicação, que foi se fortalecendo e
ganhando cada vez mais relevância no debate público.
Apesar de ainda ter um
alcance restrito, frente ao poder da radiodifusão privada, a mídia alternativa,
independente, popular, comunitária já não permite que os barões midiáticos
falem sozinhos. O monólogo passou a ser um diálogo, um “multiálogo”.
Novos temas pautados pela
nova mídia
São centenas de coletivos,
sites, blogs, jornais e revistas online (muitos guerreiros que mantém, também,
suas versões impressas), ativistas digitais que interagem e criam movimentos
por redes sociais na internet, rádios comunitárias, tevês comunitárias,
webrádios, webtvs, youtubers, e quantas mais denominações se pode dar e
encontrar para falar deste novo mundo comunicacional que está causando uma
mudança na forma como se produz e acessa comunicação e informação.
Esse amplo campo de
comunicação passou a falar sobre temas ignorados até então. Direitos humanos e
interesse público passaram a estar no centro da agenda produzida por esta nova
comunicação, que desmistifica a ideia de que é possível ser um corpo neutro na
sociedade. Qualquer relato, história e conteúdo comunicacional parte de um
ponto de vista, de valores social e culturalmente construídos e, por mais
objetiva que seja a construção de uma notícia, ela está inserida neste
contexto.
E comunicação é poder. Nada
humaniza mais que a palavra, nada nos confere mais a noção de coletividade do
que a possibilidade de narrar histórias que mostram os dilemas comuns das
pessoas.
Se o monopólio está a
serviço da manutenção do status quo, a possibilidade de falar e tornar públicos
os problemas da sociedade e de desnudar a perversidade da exclusão, da miséria
e do preconceito empoderou movimentos e setores sociais que passaram a fazer
parte da agenda pública.
A comunicação é um direito e
como tal é uma instrumento essencial para o exercício e garantia de outros
direitos, é um meio de formação e de fortalecimento da cidadania.
Os conteúdos construídos
pelos coletivos de comunicação, coletivos culturais, jornalistas, comunicadores
sociais, pela imprensa popular e sindical têm um forte sentido transformador e
libertário, têm o povo como protagonista e objetivam promover um debate amplo e
participativo, estimular a reflexão, o engajamento e a mobilização social. Como
afirma Maria Cristina Mata no livro Construindo Comunidades: Reflexões atuais
sobre a comunicação comunitária: “Não é possível ser cidadão se não for
possível expressar na esfera pública a carência de direitos e a luta por novos
direitos”.
Os barões midiáticos não
falam mais sozinhos
É verdade que nesse novo
ecossistema comunicativo há muitas diferenças. Essa nova mídia não é una e
blocada. Há enfoques e métodos distintos, há inclusive pontos de vistas
divergentes sobre como fazer comunicação, mas é inegável que estão todos no
mesmo campo, buscando um novo modo de comunicar e narrar a vida social.
E como não se pode falar de
comunicação fora do contexto político e econômico em que ela está sendo
realizada, no Brasil dos últimos anos, a comunicação assume um engajamento mais
aberto. Seja na mídia hegemônica ou alternativa, os conteúdos refletem a
polarização social.
Essa nova mídia foi
colocando em questão o comportamento da mídia hegemônica. Mais e mais pessoas
passaram a buscar fontes alternativas de comunicação, passaram a confrontar as
informações e notícias e isso abalou o castelo midiático hegemônico.
Como na casos emblemático da
eleição de 2010, o da bolinha de papel, quando as emissoras de rádio e tevê
difundiram amplamente que o então candidato a presidente da República, José
Serra, tinha sido alvo de uma “pedrada”, atirada por um militante do PT.
Imediatamente a mídia alternativa desmentiu a notícia e comprovou que a pedra
não passava de uma bolinha de papel atirada por um correligionário de Serra
para tentar criar um fato político.
Episódios como esse passaram
a se suceder e a credibilidade da mídia hegemônica foi sendo, pelo menos,
arranhada pela ação ação da mídia alternativa. Vira e mexe algum veículo
hegemônico é obrigado a reconhecer o “erro” em alguma notícia, ou corre para
mudar manchetes, é chamado a se explicar ou tornar mais explícito seus métodos.
Como na cobertura da Folha de S.Paulo sobre as manifestações pelo e contra o
impeachment em São Paulo, onde eles explicam os cálculos utilizados e comparam
as fotos para dizer como chegaram à estimativa de pessoas presentes em uma e
outra passeata.
A possibilidade de cada
pessoa ser um midialivrista, midiativista, um comunicador, registrando com
fotos e vídeos acontecimentos e permitindo que uma multiplicidade de
informações sejam difundidas tem, inclusive, pautado a mídia hegemônica em
alguns casos. Como ignorar, por exemplo, a ocupação do MTST em São Bernardo do
Campo e a marcha de 23 km realizada nesta terça-feira pelos sem teto até o
Palácio dos Bandeirantes? Em tempos pré-internet, muito provavelmente esse
movimento teria sido solenemente invisibilizado. Aliás, no mesmo ABC paulista,
na cidade de Santo André, há 35 anos uma outra ocupação envolvendo mais de 500
famílias aconteceu e não teve visibilidade do noticiário da época.
A ocultação e manipulação da
informação produzida pela mídia hegemônica já não se sustentam em função da
ação desta nova comunicação, referenciada no interesse público e na defesa de
valores explícitos como a soberania do país, a defesa do meio ambiente, dos
direitos indígenas, das mulheres, dos negros, da comunidade LGBT, e tantos
setores sociais que passaram a ter voz ativa.
São tantos os casos em que a
cobertura da mídia alternativa furou o bloqueio do monopólio que é impossível
citar todos.
O caso da crise hídrica em
São Paulo, onde os coletivos de comunicação denunciaram a responsabilidade do
governo paulista na falta de água e a existência do racionamento, a cobertura
das ocupações secundaristas contra a reforma do ensino médio e a reestruturação
das escolas em SP, o caso Amarildo, a cobertura do crime ambiental de Mariana,
a da primavera feminista, a denúncia do golpe midiático, jurídico, parlamentar
em curso no Brasil são apenas alguns destes casos.
Ampliando a diversidade e a
pluralidade na marra
Fortalecer a mídia
alternativa, independente, popular, comunitária é uma tarefa prioritária.
Potencializar a produção, impulsionar e dar ampla visibilidade aos vários
conteúdos disponíveis, sem querer rotular ou homogeneizar esse campo amplo e
diverso, respeitando as diferenças e compreendendo que cada blog, site, jornal,
revista, coletivo, enfim, que cada iniciativa é importante e complementar, que
a existência de cada um fortalece o todo é fundamental para enfrentar o golpe e
resgatar a democracia no Brasil.
Os desafios são muitos.
Estão no campo do financiamento e da sustentação dos veículos, da remuneração
dos produtores de conteúdos (muitos voluntários), de enfrentar os dilemas
causados pela força das plataformas privadas como Facebook e Google que estão derrubando
a audiência da mídia alternativa (tema para outro artigo), da fundamental luta
pela universalização do acesso à banda larga para garantir que mais pessoas
possam ter acesso à internet e, portanto, a possibilidade de tomar contato com
os conteúdos da mídia alternativa.
Mas esses desafios só
alimentam o desejo de crescimento dessa nova comunicação, herdeira dos
primeiros jornais independentes do país, que remontam ao século XIX, pequenos
volantes, jornais, semanários, alguns mais longevos outros menos. A maioria
vinculada a causas políticas (abolicionistas, republicanos, sindicais,
democratas). Muitos tornaram-se ícones da história da imprensa brasileira, A
Lanterna, A Plebe, A Classe Operária, Almanhaque, O Pasquim, Opinião,
Movimento, O Sol. Veículos que entraram para a história da comunicação no
Brasil e que ajudaram a escrever a história do Brasil, pela influência e a
importância que tiveram.
É verdade que uma das lutas
estruturantes da atualidade é pela democratização dos meios de comunicação, é
pressionar para que o Estado cumpra o seu papel de promover um ambiente plural
e diverso de comunicação, alterando o marco legal que define os critérios para
a concessão de outorgas de rádio e televisão, tornando-as mais transparentes e
garantindo que a sociedade participe deste debate; fortalecendo a comunicação
pública e a radiodifusão comunitária; criando mecanismos de fomento à mídia
alternativa; dentre várias outras políticas que são essenciais para o
fortalecimento da democracia e da nação.
Mas, ao lado disso, já há um
movimento que está, na prática, contribuindo para democratizar a circulação de
informações e ideias na sociedade, que está efetivamente construindo um
ambiente de mais pluralidade e diversidade na marra e na garra.
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Escrito por: Renata Mielli
Fonte: Mídia Ninja
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Escrito por: Renata Mielli
Fonte: Mídia Ninja